Archive for agosto 2012

Sobre "Aqueles Dois", de Caio Fernando Abreu


(Edição da imagem por J-ess)

         Ficcionista dos anos 70, Caio Fernando Abreu possui como temáticas recorrentes em suas obras a profundidade e o amor do ser humano, perpassando todas suas facetas – desde os mecanismos pelos quais a solidão está presente no âmago das pessoas, como é o caso do conto Sapatinhos Vermelhos, até o homoerotismo. Mas, de forma predominante, a dor se configura como um dos alicerces na construção de suas narrativas, conectando-se com características como o lirismo, o sonho e a linguagem sem qualquer convencionalismo literário que é  tão própria do autor.
       Numa análise superficial, percebe-se que o conto “Aqueles Dois” (In: Abreu, Caio Fernando. Morangos Mofados. 8 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987) aborda a temática da homoafetividade claramente contextualizada ao meio sociocultural que envolve a narração, criando assim a possibilidade de comunicação e discussão sobre a temática com o público – ao que se refere à literatura e aos problemas sociais que seguem com afinco a homoafetividade ainda nos dias de hoje. E apesar do enredo aparentemente simples (um encontro de duas pessoas que são produtos de desilusões amorosas numa repartição pública e o desenvolvimento progressivo duma relação), a história se configura de forma magnífica na procura da “alma gêmea” ou do “duplo”.
          Acho que “Aqueles Dois” é um ponto de partida sensacional para refletir sobre os dois assuntos e a história, assim como o livro todo, é indispensável para qualquer pessoa que goste de literatura brasileira ou que são adeptos de um bom romance romântico, com suas cores e dores tão únicas.

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L'absence de la vie

Acordo lânguido, inerte. Não sinto vontade de mover sequer um músculo. Ao menos esses dias passados têm sido assim. Sinto que a fraqueza do meu corpo, suas dores e doenças, não correspondem à minha vitalidade mental, à velocidade dos meus pensamentos e desejos. Gostaria de ser mais forte e belo, estar em chamas; ao contrário, entrego-me de forma indolente à l’absence de la vie.

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Só queria falar contigo

Para alguém que conheci recentemente.

- Oi oi, só estou te ligando pra dizer que. Sim, sim, tô bem, e você, como tá? - Apagou o cigarro num copo para não sentir mais aquele gosto amargo e os arrepios de quando a fumaça lhe invadia os pulmões. - Então, como eu ia dizendo, te liguei pra te dizer que comecei a ver o filme que me emprestaste e me apaixonei pelos personagens! Sabe, eles são tão lindos e. Se eu já vi a brincadeira com a mão? Não não. Sim, eu tô bem no começo. Sabe como é, na verdade na verdade, eu só queria ouvir a tua voz um pouco. Desculpa, não devia ter falado uma coisa dessas assim, sabe, meio que do nada.

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Uma manhã na vida do escritor


            Ando calmamente até a parada de ônibus. Sob o sol que apenas começa seu caminho diário, assim como eu o faço, caminho lentamente pela rua apinhada de cachorros sem dono, característica marcante de minha e de várias outras ruas belemenses. Observo com ternura o movimento das sombras, de janelas que começam a se abrir para que o dia entre; assim como escuto, cheio daquela pequena felicidade que nos guia para um dia feliz, o canto de algumas aves que não mais se abatem com o barulho infernal de automóveis ou os latidos contínuos, amigáveis ou não, daqueles cachorros tão maltratados.
            Espero pouco tempo na parada e logo o expresso para a faculdade chega. Entro e me posiciono num dos lugares ao fundo, onde pouca gente resolve ficar. Mesmo que o caminho até a universidade seja longo, não pego nenhum livro ou MP3 para passar o tempo. Estou, faz já alguns dias, entretido com os transeuntes e suas pequenas ações e movimentos. A atividade de observar a vida humana ao redor tornou-se um passatempo para mim, e sempre volto com ótimas ideias para “por no papel”, que na verdade significa escrever no computador e postar no meu blog (não muito famoso, mas que recebe alguns acessos e comentários).
            De súbito, no meio do caminho, sinto vontade de escrever. Como se respirar dependesse da ação, procuro um papel em branco que sirva para isso na minha mochila; mas nada encontro além de gigantescos livros sobre vertebrados e suas vidas. Cada vez mais ansiosa por despejar aquela erupção de palavras, resolvo usar o verso de um trabalho que deveria entregar naquele mesmo dia. E escrevo, escrevo despejando todo o conteúdo que queima por dentro do meu corpo e que luta desesperadamente por liberdade, por oxigênio.
            Mas, ao término, quando vejo as palavras que teci desesperadamente naquele frenesi que me tomara por completo alguns minutos antes, a raiva toma conta de mim. Leio e releio as palavras provindas do meu não pensar, do caos que estivera em minha mente por tão pouco tempo. Então me irrito com o que está escrito. Está tudo errado! Tenho vontade de rasgar aquela folha e escondê-la de todos, para que nunca mais a encontrem. Ou ainda a destruir por completo, levando junto essa inaptidão em escrever absurda que me domina a mente e suas sombras impressas no papel.
            Decepção. Revolta.
            Num turbilhão de pensamentos depreciativos, pergunto-me se já fui escritor algum dia e se já tive alguma habilidade para compreender, criar e recriar mundos, jeitos, pessoas e eventos, fantásticos ou não. Observo, envergonhado, as pessoas passando do lado de fora do grande veículo. A felicidade já não está estampada em minhas feições – sobrando apenas a angustia que escorrera lentamente, de dentro d’alma para fora, absorvendo-me completamente em suas águas frias e escuras.
            Volto a encarar com frugalidade as pessoas que andavam por ali, tentando aquietar a alma e os medos. Respiro fundo. De novo e de novo, na tentativa de dominar o espírito autodestrutivo presente, acalmá-lo e lhe transformar em seu avesso. Aguento o sentimento com calma para não parecer estranho diante tanta gente, que agora percebo ter lotado o ônibus que estou. Aproxima-se a parada que vou descer. Levanto, com a mochila pendurada num dos ombros e o papel e a caneta ainda seguros firmemente em uma das mãos.
            Desço em frente a um dos grandes portões da universidade, já bem ativo essa hora com a entrada dos estudantes de tantos cursos ofertados. Observo atentamente aqueles que andam tão apressados para suas aulas, estágios e outros afazeres dentro daquele mundo de livros, política, amores e amizades. Ao passar pelo portão e dar bom dia ao segurança que está todos os dias ali, começo a imaginar a vida de todos eles. As paixões ardentes que poderiam comover o mundo, ou aqueles estudantes hercúleos que trabalham oito horas por dia e ainda arranjam tempo para estudar, ou ainda um ou outro de aspecto sonhador e introspectivo, que pensa nas diversas maneiras de mudar o mundo ao seu redor com a política ou com a pesquisa.
            E o impulso de escrever volta, com todo seu aspecto divino, tal quais as correntes oceânicas de força sobrenatural. Curvo-me, sentado num dos bancos de pedra nua dispostos perto da entrada, como se já não tivesse opções a seguir além dessa. Arrebatado por impulso de outro mundo, escrevo freneticamente até que minhas mãos comecem a doer, preenchendo as folhas brancas com minhas ideias e universos, cheios da fantasia e beleza que preenche o cotidiano de cada um ali – ainda que tão poucos percebam a pureza e naturalidade do que há, do que é.

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