Ando
calmamente até a parada de ônibus. Sob o sol que apenas começa seu caminho
diário, assim como eu o faço, caminho lentamente pela rua apinhada de cachorros
sem dono, característica marcante de minha e de várias outras ruas belemenses.
Observo com ternura o movimento das sombras, de janelas que começam a se abrir
para que o dia entre; assim como escuto, cheio daquela pequena felicidade que
nos guia para um dia feliz, o canto de algumas aves que não mais se abatem com
o barulho infernal de automóveis ou os latidos contínuos, amigáveis ou não,
daqueles cachorros tão maltratados.
Espero
pouco tempo na parada e logo o expresso para a faculdade chega. Entro e me
posiciono num dos lugares ao fundo, onde pouca gente resolve ficar. Mesmo que o
caminho até a universidade seja longo, não pego nenhum livro ou MP3 para passar
o tempo. Estou, faz já alguns dias, entretido com os transeuntes e suas
pequenas ações e movimentos. A atividade de observar a vida humana ao redor tornou-se
um passatempo para mim, e sempre volto com ótimas ideias para “por no papel”,
que na verdade significa escrever no computador e postar no meu blog (não muito
famoso, mas que recebe alguns acessos e comentários).
De
súbito, no meio do caminho, sinto vontade de escrever. Como se respirar
dependesse da ação, procuro um papel em branco que sirva para isso na minha
mochila; mas nada encontro além de gigantescos livros sobre vertebrados e suas
vidas. Cada vez mais ansiosa por despejar aquela erupção de palavras, resolvo
usar o verso de um trabalho que deveria entregar naquele mesmo dia. E escrevo,
escrevo despejando todo o conteúdo que queima por dentro do meu corpo e que luta
desesperadamente por liberdade, por oxigênio.
Mas,
ao término, quando vejo as palavras que teci desesperadamente naquele frenesi
que me tomara por completo alguns minutos antes, a raiva toma conta de mim.
Leio e releio as palavras provindas do meu não pensar, do caos que estivera em
minha mente por tão pouco tempo. Então me irrito com o que está escrito. Está
tudo errado! Tenho vontade de rasgar aquela folha e escondê-la de todos, para
que nunca mais a encontrem. Ou ainda a destruir por completo, levando junto
essa inaptidão em escrever absurda que me domina a mente e suas sombras impressas
no papel.
Decepção.
Revolta.
Num
turbilhão de pensamentos depreciativos, pergunto-me se já fui escritor algum
dia e se já tive alguma habilidade para compreender, criar e recriar mundos,
jeitos, pessoas e eventos, fantásticos ou não. Observo, envergonhado, as
pessoas passando do lado de fora do grande veículo. A felicidade já não está
estampada em minhas feições – sobrando apenas a angustia que escorrera
lentamente, de dentro d’alma para fora, absorvendo-me completamente em suas
águas frias e escuras.
Volto
a encarar com frugalidade as pessoas que andavam por ali, tentando aquietar a
alma e os medos. Respiro fundo. De novo e de novo, na tentativa de dominar o
espírito autodestrutivo presente, acalmá-lo e lhe transformar em seu avesso.
Aguento o sentimento com calma para não parecer estranho diante tanta gente,
que agora percebo ter lotado o ônibus que estou. Aproxima-se a parada que vou
descer. Levanto, com a mochila pendurada num dos ombros e o papel e a caneta
ainda seguros firmemente em uma das mãos.
Desço
em frente a um dos grandes portões da universidade, já bem ativo essa hora com
a entrada dos estudantes de tantos cursos ofertados. Observo atentamente
aqueles que andam tão apressados para suas aulas, estágios e outros afazeres
dentro daquele mundo de livros, política, amores e amizades. Ao passar pelo
portão e dar bom dia ao segurança que está todos os dias ali, começo a imaginar
a vida de todos eles. As paixões ardentes que poderiam comover o mundo, ou
aqueles estudantes hercúleos que trabalham oito horas por dia e ainda arranjam
tempo para estudar, ou ainda um ou outro de aspecto sonhador e introspectivo,
que pensa nas diversas maneiras de mudar o mundo ao seu redor com a política ou
com a pesquisa.
E
o impulso de escrever volta, com todo seu aspecto divino, tal quais as
correntes oceânicas de força sobrenatural. Curvo-me, sentado num dos bancos de
pedra nua dispostos perto da entrada, como se já não tivesse opções a seguir
além dessa. Arrebatado por impulso de outro mundo, escrevo freneticamente até
que minhas mãos comecem a doer, preenchendo as folhas brancas com minhas ideias
e universos, cheios da fantasia e beleza que preenche o cotidiano de cada um
ali – ainda que tão poucos percebam a pureza e naturalidade do que há, do que
é.