“Num
deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a
outra...”
(Aqueles Dois, Caio Fernando Abreu)
I
Estava andando por dias. Não tinha nem
comida (além dos ocasionais lagartos e escorpiões que encontrava em seu
caminho) nem água em abundância, retirando apenas o necessário para sobreviver dos
cactos ou poças que encontrava no caminho por sincero desejo da sorte. Se não
fosse pelos calangos e escorpiões que passavam em sua frente, com toda a
certeza já teria caído no chão a quilômetros de onde estava e morrido, desnutrido
e desidratado sob o sol escaldante.
Por fim enxergou a cidade que se
erguia, maltrapilha e decadente, à frente. Abriu um largo sorriso de alívio, parando
por um instante e jogando todo o peso sobre a vareta que estava utilizando
desde uns dias atrás como apoio. O galho cedeu e quebrou, deixando o homem cair
no chão. Sem ânimo algum para levantar da areia quente, tão cansado que estava,
adormeceu, assim sem mais nem menos – ou desmaiou, caso assim lhe pareça mais
convincente. Mais tarde, quando contivesse mais energia acumulada, levantaria,
encontraria uma pessoa de bom coração naquela cidade deserta, que o alimentaria
e saciaria sua sede e, principalmente, ajeitaria o braço esquerdo que pendia
defeituoso adjacente ao corpo.
II
Andava novamente nas terras áridas
do cerrado. Enxergava a lua proeminente no céu respingado por centenas de
estrelas, tendo expulsado há pouco o sol e o calor para outro plano, o que era
um alívio tremendo ao seu corpo. Por entre o piado de corujas, aves tipicamente
noturnas, viu um vulto passando rapidamente em direção a uma moita. Um lagarto. Será?
Caminhou
lentamente em direção à moita, preparando-se para um ataque surpresa ao réptil,
que lhe renderia energia suficiente para continuar caminhando por toda a
madrugada. Chegou cada vez mais perto e ouviu um som que definitivamente não
era proveniente de um lagarto... Um sibilo... Mas a fome excruciante não lhe
deixou pensar muito mais no assunto.
Quando
seu rosto estava quase nos arbustos, algo se ergueu acima de sua cabeça: um
corpo cilíndrico de quase meio metro de largura, cheio de escamas intrincadas
que formavam uma bela peça de arte, mas mortífera. Levantou o rosto rapidamente
para encarar os hipnotizantes olhos da serpente e se jogou para trás, sacando
sua poderosa pistola belga em direção à cabeça do animal que havia se levantado
sobre seu corpo e o encarava de cima, pronta para o bote. A cobra avançou. Sua boca
aberta num sorriso macabro com dois caninos asquerosos pingando veneno. Ele,
tentando a todo custo salvar sua vida, apertou o gatilho.
-
Moço! Moço! Acorda!
Abriu
seus olhos subitamente. Confuso no entremear de realidade e sonho, pensando se
aquilo realmente tinha acontecido. Observou a menina que lhe acordara, mudo, na
medida em que seus olhos se adaptavam à realidade. Não pode ter mais que 8 anos, pensou. A menina tinha rosto bem
redondo e bochechas rosadas que cercavam um sorriso incerto, misto de
curiosidade e preocupação – do tipo que
se vê apenas junto à inocência das crianças. Seus dentes incisivos eram
grandes, dando-lhe um ar cômico.
-
Você está bem, senhor?
Desacostumado
a falar depois de tantas semanas sem a companhia de qualquer outra pessoa,
forçou ao máximo a voz, que saiu rasgando-lhe a garganta. De início, tudo que
saiu foi um grunhido meio assustador, seguido de uma tosse que perdurou por quase
dois minutos inteiros. A pequena lhe trouxe um copo de água morna, do qual ele se
serviu imediatamente tomando-o todo em dois grandes goles. Abriu de novo a
boca: - Obrigado, criança. Qual seu nome?
A
menina o olhou desconfiada, como se ele tivesse feito algo errado: - Meu nome é
Yuu, e o do senhor?
Olhou
com mais cuidado ao quarto onde estava deitado. Era pequeno e desarrumado, contendo
inúmeros vazamentos que haviam manchado com o tempo as paredes de ovenaria
exposta. Poucos móveis decoravam o ambiente e uma cortina tapava o sol, que ele
bem sabia castigar a região. Com a mão direita, a única que funcionava, tateou
o corpo e se descobriu sem camisa, suado e com bandagens úmidas lhe recobrindo
o tórax nú.
Em
suas calças, procurou por sua arma, mas não a encontrou. Tentou levantar o
outro braço, mas lhe era impossível. Aquele já estava quebrado desde metade do
deserto, quando dera de cara com um grupo de caçadores de recompensa, que rodeavam
aos montes aquelas regiões atrás de bandidos com prêmios pela cabeça, ouro e
moças - estas últimas podiam ser virgens ou não, tanto fazia. No embate, depois
que todos perderam suas pistolas, o braço mecânico foi danificado e, logo
depois de Aureliano (protagonista desta estorieta) subjugar os caçadores, o
braço parara de funcionar.
-
Aureliano. Você que me salvou?
-
É óbvio que não foi tal criança. - Outra voz surgiu à porta. Virou-se e viu uma
senhora de rosto severo, cabelos brancos amarrados num coque no topo da cabeça.
A mulher entrou no quarto com uma bandeja e se aproximou da cama, deixando a
bandeja na mesinha ao lado da cama. Enquanto ela ajeitava a prataria, reparou que
a mulher vestia roupas desgastadas e sujas. Sentou-se na cadeira em frente à
cama e ordenou que a menina fosse almoçar. – Meu neto o salvou. Encontrou-o
hoje no início da manhã, quando ia para a oficina.
-
Ele está? Preciso lhe agradecer por ter me achado.
-
Coma. – Ordenou uma única vez, no mesmo tom que utilizara com Yuu, apontando
para a mesinha de canto. Levantou-se logo depois e saiu do quarto, como se ele
fosse uma criança da casa.
Inseguro
sobre o que fazer e sentindo o estômago reclamar, pegou a tigela que a mulher
lhe deixara e tomou a sopa de legumes e raros pedaços de carne endurecida, mas
que lhe pareceu um manjar. Quando terminou, percebeu que seu corpo continuava
dolorido e cansado. Adormeceu, agora embebido num sono sem pesadelos,
renovador.
III
Seu instinto sempre foi aguçado.
Desta vez, acordara com a nítida sensação de estar sendo observado. Abriu os
olhos, ignorando a dor que persistia em seu corpo, amena se comparada com a do
dia anterior. Buscou lembrar onde estava e logo a memória da senhora e da criança
orientais surgiram, explicando superficialmente os fatos recentes. Respirando
pausadamente e se concentrando a qualquer ruído que porventura o cercasse, reparou
na respiração de alguém junto à porta.
- Yuu? É você que está aí?
Alguns segundos se passaram sem
resposta, mas logo a porta se abriu, revelando o inapto espião matutino. Uma
criatura desajeitada e bastante alta ficou parada diante a porta aberta. Seu
rosto redondo e boca contorcida num sorriso envergonhado formavam uma cena
ainda mais engraçada do que a menina que o acordara no dia anterior. Teve a
nítida sensação, naquele instante, que por sobre toda aquela família pairava
aquela atmosfera leve que se expandia para o ambiente. O rapaz era bastante
alto e apoiava um dos seus pés no outro joelho, pousando sobre uma única perna
feito flamingos que habitavam as regiões mais ao oeste do continente.
- Desculpe lhe incomodar... Eu só
queria ver como você estava... – A voz ainda não se formara integralmente, misturando
um sopro adolescente ao timbre mais adulto e forte que um dia se instauraria
ali por completo.
- Não é nada, garoto. Você que me
achou, não foi?
Nanae não conseguiu responder por
quase um minuto, o que lhe era peculiar. Era bastante conhecido por todos os
poucos moradores da cidade como inabalável “falador”, pois dificilmente passava
um minuto inteiro sem falar, mesmo em situações como enterros. Mas fazia
exatamente dois dias que sua voz se escondera (e muitos na cidade perceberam
isso), pois seus pensamentos se concentravam agora sobre os tormentos que
passavam pela primeira vez no corpo do recém-formado homem. Para ser mais
sincero, sua voz fora roubada como troféu pela imagem do forasteiro encontrado,
a criatura divina de barba espessa e corpo definido, selvagem. Agora tinha que
lhe resgatar.
- Sim sim fui eu sim – falou dessa
mesma forma que aqui exponho, peculiar pela falta de pausas, mas que é tão
comum àqueles que estão tão nervosos que as palavras jorram sem amarras de suas
bocas trêmulas. – Tava indo trabalhar e te encontrei caído no meio do caminho e
não sabia o que fazê. Então te trouxe pra casa.
- Agradeço-lhe por ter me salvado da
morte certa, rapaz. Se você não tivesse me encontrado, teria sucumbido às aves
oportunistas, à sede ou à fome. Espero que possa lhe recompensar pelo gesto.
Viu o rosto do rapaz corar,
cobrindo-lhe algumas sardas que marcavam seu rosto juvenil. De alguma forma,
aquela demonstração quase infantil num corpo adulto o lembrou de um antigo
companheiro de viagem.
- Você, por acaso, percebeu se eu
carregava algo comigo quando encontrado?
Nanae arregalou os olhos, demonstrando
saber sobre o Aureliano falava. Entrou de uma vez no quarto e fechou a porta
cuidadosamente atrás de si, tendo cuidado para que sua avó não percebesse que
os dois conversavam. Aproximou-se da cama do forasteiro, parando a apenas vinte
centímetros de distância, parecendo temeroso com a ideia de se aproximar mais
dali.
- Fala baixo... A minha vó não gosta
de armas. Se ela souber que você estava com uma, ela te põe pra fora rapidinho!
Aureliano abriu um sorriso, achando
graça da situação, naquele pequeno segredo entre os dois: - E onde ela está? A
arma, quero dizer.
- Deixei a pistola na minha
oficina... Ela era do meu pai, agora é minha. A oficina, quero dizer. – Abriu
um sorriso, percebendo a confusão e a naturalidade da conversa, feito de velhos
conhecidos. – Quando tu quiseres, podes ir lá pegar e eu posso dar um jeito no
teu braço, também. Que ele parece não tá funcionando direito, né? Não sou tão
bom quanto meu pai era, mas certeza que consigo ajeitar isso aí! – Abriu um
largo sorriso, talvez de convencimento, iluminando seu rosto, queimado do
inescrupuloso sol da região, e de olhos puxados.
- E já apareceram muitos braços
assim por lá?
-
Na realidade, não. Mas já consertei autômatos bem mais complicados que esse teu
braço. Podes confiar em mim.
A conversa continuou, vertendo para
o caminho de autômatos e tecnologia a vapor. Nanae demonstrava grande
conhecimento prático de dispositivos mecânicos envolvendo autômatos e veículos,
mas pouco do que tangia a arte de tecnohumanos – ou seja, humanos conectados
aos avanços tecnológicos das últimas décadas. Demonstrava grande interesse em
aprender mais, escutando cheio de atenção o que Aureliano contava sobre as
grandes cidades que visitara pelo país e sobre o terror do cerrado, com os
constantes duelos com armas de fogo que sempre acabavam derrubando grande parte
dos envolvidos, banhando de sangue escarlate a areia seca, antes ocupada apenas
por poucos animais e plantas que resistiam ao inexorável calor.
A conversa durou pouco mais de duas
horas e foi interrompida de forma repentina por Nanae, que se levantou de
supetão com as feições assustadas (que Aureliano já percebera serem tão
próprias do rapaz) e saiu correndo depois de se explicar: - Preciso correr!
Muita coisa pra fazer na oficina! Se quiseres, podes passar lá depois!
Deixou para trás um Aureliano extremamente
satisfeito, pistoleiro normalmente solitário daquelas bandas, que pouco se
apegava às companhias. O homenzarrão ficou deitado por algum tempo, a cabeça
apoiada nas duas mãos, sorriso em direção ao teto. Decidiu, por fim,
levantar-se. Com algum esforço, sentou-se na cama e esperou alguns minutos até
seu corpo se acostumar com a posição vertical – maldita dor de cabeça! Posicionou as pernas para fora da cama e conferiu
as bandagens que revestiam seu peitoral, pondo-se de vez em pé ao lado da cama.
Cambaleou por segundos, mas logo se estabilizava sobre o chão.
Procurou sua camisa pelo quarto e logo
encontrou jogada em cima duma mesa. Vestiu-a rapidamente e saiu do recinto,
caminhando lentamente pelo corredor estreito. Cauteloso, chegou à cozinha e
logo viu o vulto da senhora que o alimentara no que imaginava ter sido a noite
anterior. Pediu licença e entrou no minúsculo ambiente que era a cozinha da
casa.
- Tome café. O Nanae está lhe
esperando na oficina. – Falou sem rodeios, voltando depois às ervas e legumes
que cortava.
Sentou-se à mesa e comeu o pedaço de
pão com café que haviam lhe servido, não se atrevendo a perguntar onde ficava a
oficina ou a puxar qualquer assunto com a sisuda mulher que o acolhera na casa.
Ao terminar, levantou e saiu da casa após agradecer pelo café da manhã.
IV
Não
tinha muito por onde andar naquela pequena cidade. Sentia os olhares
desconfiados dos locais que pairavam sobre ele, o forasteiro. Dois homens no
meio do caminho o encararam, ameaçadores, como se ele estivesse entrando em
seus domínios. Ainda fraco demais pra lutar, abaixou o olhar e seguiu em frente
em direção da oficina do garoto, que tinha lhe sido indicada pela senhora
desdentada da padaria.
O lugar era maior que qualquer casa
que ele tivesse passado pela frente e ficava no fim da cidade, quando já não se
podia enxergar nenhuma casa ao longe. Construído com ovenaria e bem conservado,
parecia até uma loja “de cidade grande”, se não fosse a ausência de janelas de
vidro ou autômatos recepcionistas.
Chegou até a gigantesca porta de
ferro do lugar, que se abria através de um comum e complicadíssimo mecanismo a
vapor, que puxava a pesada estrutura em direção ao teto. Passou direto por ela,
entrando sem mais delongas no grande salão. A princípio, não enxergou Nanae em
nenhum dos lugares. Analisou o lugar: esperava que tivessem apenas algumas
máquinas caseiras e talvez algum steamóvel,
caracterizando a pobreza do lugarejo. Ao contrário, encontrou diversos
autômatos de aparências estranhas e outras máquinas que ele sequer sabia o uso,
além de diversas peças penduras nas paredes, provavelmente utilizadas em reposições
emergenciais.
Andando desatento pelo lugar, nem
percebeu que Nanae lhe observava de trás de uma grande máquina. Caso ele
chegasse mais perto, veria que se tratava dum Deságua 2.1, de uma proeminente
empresa de tecnologias modernas e que tinha função de tirar água de profundos
lençóis freáticos. Ouviu um pigarreio e se voltou na direção.
- Ah! Você está aí. Estava te
procurando – falou, abrindo um largo sorriso para Nanae, que estava deitado
debaixo da grande máquina com alguma ferramenta na mão direita. O mecânico se
afastou do aparelho em conserto e se levantou.
- Vieste pegar a arma e consertar o
braço, né? Pera lá!
- Na verdade... Eu vim lhe ver,
Nanae.
Nanae, que já andava em direção de
Aureliano, parou no mesmo instante. Olhou completamente atônito para o homem à
sua frente, sem saber o que fazer e nem bem certo do que ele quisera dizer com
aquilo de “lhe ver”. Por Deus! Tudo só podia estar em sua cabeça mesmo. Não
existia nada que sugerisse o contrário. Imaginação. Apenas golpes de sua imaginação
que brotava com aqueles novos sentimentos, aquele ruído em seu peito que se
espalhava feito lava, deixando seu corpo quente e suas pernas bambas, seu
ventre sob aquela pressão estranha.
- Bom, deixe-me ajeitar seu braço
logo. – Disse baixo, olhando para o chão e puxando um banco até perto de
Aureliano. – Sente-se aí.
O conserto durou em torno de duas
horas, as quais eles passaram conversando sobre o que já tinham feito na vida.
Aureliano contou que seu parceiro de estrada havia morrido fazia mais de três
anos e, desde então, não quisera mais companhia de ninguém. Nanae falou que
nunca tivera um amigo próximo e que a maior parte de sua vida trabalhara ali.
Aureliano amava o mar e estava decidido a fugir para lá, assim que terminasse
sua última missão. Nanae jamais tinha visto o mar e a vontade lhe perseguia até
nos sonhos. Aureliano, em resposta à animação inesperada do mecânico, prometeu
levá-lo para ver as ondas e as gaivotas e mergulhar dentre os peixes coloridos.
E daí em diante desatou a falar de tudo que se encontrava no litoral, desde as
minúsculas conchas até os grandes navios cargueiros que traziam marinheiros de
todos os cantos do mundo às cidades apinhadas de comerciantes e prostitutas.
Após o término do conserto, Nanae
voltou ao trabalho nas outras máquinas e Aureliano não se afastou, continuando
a conversa. E, chegada a hora do almoço, os dois se entreolharam sem saber o
que fazer. Talvez fosse vergonha que tivesse surgido naquele instante, Nanae
cada vez mais envolvido naquelas ideias que seriam assombrosas à cidade e
Aureliano envolvido no sorriso de Nanae, que mesmo sem nunca ter visto mar, aparentavam
ser tão bonitos e profundos quanto.
Bom, se fossem dois rapazes como
Nanae, a situação jamais iria além dessa troca de olhares. Mas Aureliano não
era como ele. Tinha uma experiência de vida gigantesca e era homem feito,
daqueles que partem do princípio de que podem pegar tudo aquilo que quiserem. E
com toda a certeza Aureliano o queria. Aproximou-se. A atmosfera poderia ser de
uma peça romântica, preenchida pelos eventuais cantos de um pássaro numa árvore
ao lado da construção e todo o resto em silêncio – o tipo que gera a expectativa
de uma multidão enlouquecida querendo saber o que iria acontecer àqueles dois, o
coração a lhes subir a garganta de tanto nervosismo e o desejo de que os lábios
deles se tocassem logo.
O corpo de Nanae quase parou de
funcionar em certo momento. Só conseguia sentir o nervosismo e a excitação
mescladas, tomando cada célula do seu corpo – e Aureliano se aproximava cada
vez mais. Agora seus corpos já se encostavam e a boca do homem chegava cada vez
mais perto da sua, até que finalmente encostaram. O rapaz sentiu os braços
fortes do pistoleiro lhe envolverem e seus músculos entusmecidos – todos eles –
pressionarem sua pele. E então, o beijo aconteceu.
Aureliano já não sentia aquilo
fazia, por acaso, três anos. E por aquilo eu me refiro às explosões voluptuosas
que só acontecem quando duas almas únicas e destinadas a se encontrarem
finalmente se cruzam. Não o desejo por uma carcaça qualquer, que para nossas
almas não é mais do que uma diversão adicional por não saber para onde dirigir
os desejos. Falo da expressão de Netuno na vida das pessoas, que definiu por
séculos ou milênios o encontro desses dois homens, não por seus nomes ou profissões
ou quaisquer dessas coisas mundanas, mas por suas almas.
O beijo foi se desenvolvendo e se
tornando cada vez mais intenso, aumentando o calor que eles emanavam e
distribuindo-o aos seus redores. Aureliano, mais desenvolto, aumentava as
carícias pelo corpo de Nanae, enquanto este último apenas se entregava
preguiçosamente, incerto sobre o quê ou como fazer. Sentia as mãos grandes do
forasteiro passearem por suas costas como se elas fossem o deserto que lhes
cercava, agarrando suas curvas firmemente até as ancas e encaixando-as
firmemente sob seus dedos longos. Nanae soltou um gemido e afastou a boca,
sentindo todo seu corpo ser consumido por chamas e seu sexo quase explodir por
debaixo das calças ao ser friccionado pelas pernas fortes de Aureliano.
Aureliano conduziu tudo sem parar um
instante, envolvido na pele machucada pelo sol de seu parceiro. Desceu os lábios
e a língua por todo o corpo do outro, sentindo seu gosto e seu cheiro fraco,
evanescente. Ele sempre teve a crença de que todo desejo está no cheiro do
corpo e dos cabelos dos homens, que era o que realmente atraía os outros. Que
cada um tinha suas próprias preferências pelos odores, que mal percebiam. Mas
ele conhecia o seu: aquele odor fraco, que tende a desaparecer, de terra úmida
e florestas quando a lua surge, de lealdade, tão delicado como de uma mulher.
Entre as máquinas, Aureliano deitou
Nanae sobre um pano que achara em cima de uma mesa e lhe tirou as roupas, peça
por peça; cuidadosamente, mas sem hesitação. Logo os dois estavam desnudos no
chão, beijando-se cheios de volúpia enquanto seus corpos se apertavam e
esfregavam, o suor escorria de seus poros carregando a paixão que lhes
preenchia o interior. Aureliano, ainda comandando a ação, uniu-se
definitivamente ao corpo abaixo de si, que gemia num misto de dor e prazer. Os
dois estavam confusos com o prazer incinerante, o sexo endurecido de Aureliano
preenchendo o corpo de Nanae, até que juntos iam chegando ao êxtase, aumentando
a velocidade que seus corpos se contorciam e de seus beijos, até que ambos
gozaram e os cheiros de mar e floresta levantaram e se misturaram na sala.
Não
cessaram os beijos, cheios de carinho, mesmo depois do desejo de ambos ter sido
aspergido sobre o corpo do outro, e apenas se tornaram mais enamorados e
entremeados de sorrisos da mais pura felicidade.
V
A lua estava cheia. Nenhuma daquelas
máquinas que soltavam vapor excessivamente poderia ser vista por quilômetros.
Na realidade, nada além de areia e mar poderia ser enxergado ali. Nanae estava
deitado sobre a areia fria, cansado por ter passado um dia inteiro se banhando
no mar, pescando com arpão e mergulhando com um aparelho chamado smorkel que Aureliano havia comprado na
última cidade que haviam passado. Estava feliz, mais do que jamais imaginaria
estar. Observava a lua, mas logo sua atenção foi desviada.
Sentiu a mão quente de Aureliano lhe
subir as pernas descobertas – talvez tivesse acordando. Confirmou isso quando
sentiu o outro depositar um beijo cálido por sobre seu peitoral, descendo
centímetro por centímetro com mordiscadas, até chegar na região pélvica. A
língua úmida lhe percorreu a região, lentamente, subindo por seu falo e logo a
boca do homem lhe envolveu todo o sexo. Nanae soltou gemidos que se envolveram
com o som do vento e das ondas, numa sinfonia erótica.
Nanae
o puxou pelo rosto, e o homem subiu beijando-lhe todo o corpo e esfregando sua
barba em sua pele, fazendo-o se contorcer de prazer. Beijaram-se mais uma vez e
Aureliano foi empurrado de costas para a areia fria, e Nanae subiu sobre
ele, forçando o mastro a entrar em si. Logo
seus corpos se moviam numa cadência sensual, o luar e estrelas lhes banhando as
peles fustigadas pelo sol e a musculatura retesada de seus corpos embelezando
ainda mais o cenário divino. Nanae acelerou o ritmo, esfregando suas mãos nos
peitos fortes de Aureliano, gemendo e falando coisas desconexas, e quando
sentiu o líquido espesso do seu mar lhe invadir o corpo, gozou fartamente, sem
ao menos tocar em seu falo.
amei! muito bem escrito. Você entende perfeitamente o significado de erótico. Seu texto não é pornográfico, ao contrário, é envolvente. Parabens!
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