Acordei
meio confuso, sem saber bem onde a realidade começava e terminava, e
completamente em polvorosa por causa dos meus sonhos sempre tão fantásticos e
às vezes aterrorizantes. Ainda não tinha aberto os olhos quando ouvi a
respiração suave ao meu lado. Então aquilo tinha sido real – e o primeiro
sorriso daquele novo dia cobriu meu rosto como se tudo fosse felicidade.
Abri
os olhos e continuei imerso na escuridão, já que o sol ainda não tinha dado a
graça de sua companhia. Enquanto meus olhos se acostumavam à pouca claridade
dos postes da rua que as cortinas de tom pastel deixavam entrar no quarto,
virei de lado e fiquei observando o homem deitado ali, provavelmente tendo
fantasias tão loucas quanto as que eu estava tendo segundos atrás. Aos poucos
comecei a enxergar os contornos de seu corpo de ombros largos e pernas grossas
por causa dos esportes frequentes – tudo nele era tão erótico, quase
pornográfico! Até sua barba mal feita que lhe dava um aspecto ainda mais masculino.
Aproximei
minha mão do seu peito, mas não lhe toquei. Sabia que se eu começasse ali,
dificilmente conseguiria parar. Pousei-lhe um beijo rápido na bochecha e me
afastei, com medo de ficar preso ali pela eternidade, sem jamais conseguir me desvencilhar
dele. Levantei e fui até o banheiro do meu quarto. Me olhava no espelho
enquanto escovava dentes, observando algumas pequenas falhas no rosto – não, não vou me ligar nelas. Já estou farto
desse meu narcisismo.
Voltei ao quarto e abri um pouco as cortinas,
o suficiente apenas para eu me encostar à janela e ficar observando o mundo lá
fora. Sempre acordei cedo, antes mesmo de amanhecer. Foi uma mania que adquiri
quando morava com meus pais e meus irmãos mais novos muitos anos atrás. A
partir das seis horas da manhã tudo era tão caótico, cheio de gritaria sobre o
pagamento de contas, choro de criança que não quer tomar banho nem ir pra
escola. Tudo turbulento demais para mim. C’était
trop turbulent!
E foi assim que
comecei a acordar cedo, no mesmo instante que todos ainda estavam imersos de
sonhos ou apenas começando a dormir. A casa era finalmente um recanto de solitude.
Eu podia andar pelos corredores pensando nos personagens que lia nos velhos livros
da biblioteca do meu avô. Imaginava o que eu faria naquelas situações, das mais
aterradoras histórias de horror cósmico de H. P. Lovecraft até os romances de
Jane Austen. Ah! Como eu aproveitei
aquela solidão intensamente!
Continuei
com o hábito mesmo quando fui morar longe, noutro estado, longe dos meus pais,
irmãos e amigos. Mas não por causa deles. Percebi que era bom acordar antes do
mundo e lhe ver apertando seu botão de start algumas horas depois, com o sol a
aparecer no céu e os pássaros começando seus cantos desesperados. Tenho feito
isso desde então, e muitos dos meus ex-namorados achavam estranho que eu
apreciasse tanto a solidão assim. Um deles - aquele cheio de neuroses, devo
dizer – costumava dizer que era porque eu não gostava o suficiente dele e que preferia
estar longe. Alegava me amar. Duvido disso.
Preciso
dessa calmaria no início do meu dia para poder me expandir e pensar, sem dúvida
alguma. Mas é tão difícil achar alguém que se encaixe perfeitamente nessas
nossas pequenas manias, e ainda nos enlouqueça na cama e nos conforte e suporte
nos momentos difíceis. É árdua essa tarefa de achar um companheiro e muitas
vezes acreditei que jamais encontraria, pois preferia ter apenas a mim do que
aceitar menos do que o grande amor.
Naquele momento em que
eu pensava sobre todas essas coisas de amores e futuro, os pássaros começavam a
cantar e voar de uma direção para outra, bem agitados. O sol começava a surgir
por detrás uma grande árvore de formato estranho por entre as árvores. Abri a
janela e respirei aquele ar único, ainda sem toda a fumaça que os ônibus e
carros ficam soltando enlouquecidamente ao longo do dia. Solidão, tão bela –
mas sei que a partir de um momento cansa. Aliás, o que me traz a felicidade é o
equilíbrio perfeito dum e doutro, com pequenas margens de erro. Um pouco de
solidão pela manhã para abstrair, um pouco mais tarde para ler e escrever, e um
mundo de amor e paixão.
Quando ficar sozinho
ali à janela já me cansava, o corpo de Guilherme me abraçou pelas costas. Bom dia, amor – ouvi, naquela sua voz
aveludada, que eu só podia imaginar pertencer a deuses gregos ou romanos. Seu
corpo quente por causa do sono encostava diretamente em minha pele e sua
respiração sobre o meu pescoço me deixou arrepiado, desejoso. Virei o rosto e
lhe dei um beijo. Perfeição. No exato instante em que a solidão já deixava de
me agradar ele chegou a mim, e finalmente me pareceu que eu poderia ter os
dois, tudo o que eu poderia querer para a minha vida. Sem ser sufocado a todo
instante, sem pressão – os dois livres e querendo estar ali plenamente.
- Vamos ter um futuro
maravilho, sabias?
- Vamos começar esse
futuro daqui trinta segundos, então?
- Como vamos fazer isso?
- Vamos para debaixo
daquele lençol ali e fazer coisas maravilhosas lá – e me arrastou em direção à
cama, preso num abraço cheio de calor e desejo, com sua barba roçando a minha
pele. E antes de ir fechei a janela, não para a rua, mas à solidão completa,
apenas para talvez lhe abrir novamente durante o próximo amanhecer.
Na medida para um bom devaneio de sábado a noite. Adorei. By: Allan Lima
ResponderExcluirBem provocante, sem ser vulgar. Adorei. Parabéns! (:
ResponderExcluirPosso dizer que eu me sinto muito VIP por já ter lido esse texto antes de todo mundo? HAHA
ResponderExcluirManhãs <3
ResponderExcluirVisão perfeita de como as coisas devem ser. Uma vida despreocupada em que o sonho não se desfaça ao abrir dos olhos.
Amei.
Ah!!! "Esse amor que nos consome", mas que nos deixa livres... afinal elas não são excludentes =)
ResponderExcluirAdorei, muito lindo.
ResponderExcluirÉ muito a sua cara : É árdua essa tarefa de achar um companheiro e muitas vezes acreditei que jamais encontraria, pois preferia ter apenas a mim do que aceitar menos do que o grande amor.
Muito bom. provocante no sentido de nos fazer compreender e até nos identificar com certos sentimentos de estar só e estar a dois. Um limiar da solidão e da companhia desejada. Muito interessante. Com passagens de certa nuancia nada vulgar, mas sim de proporcionado deleite que as palavras nos dão.Parabéns, amigo!
ResponderExcluirUma prosa inteligente e fluída, num texto que nos leva à reflexão sobre os valores mais intrínsecos da sociedade.
ResponderExcluirE eu tb jah li esse texto mt antes de ser publicado aki, tá.
Congrats!
Sem palavras para descrever.... Simplesmente adorei!!!
ResponderExcluir