Título:
Mundos – Volume 1
Autores:
Georgette Silen, Suzy M. Hekamiah, Emerson Dantas e Pimenta, Karen Alvares,
Davi Gonzales, Roberta Spindler, Ricardo Guilherme dos Santos
Editora:
Buriti
Ano:
2014
Número
de Páginas: 113
Mundos é a melhor antologia nacional de contos
que já li.
Tudo bem que eu não tenha lido tantos assim. Mas dediquei
uma parte dos últimos dois anos para conhecer mais a produção nacional. Tenho
lido alguns livros que reúnem contos dos nossos autores, muitas vezes
desprestigiados pelos leitores por causa da grande mania nacional de
supervalorizar o que é de fora.
O fato é que o livro organizado pela Editora Buriti foi bem organizando e a
seleção dos contistas não poderia ter sido mais acertada. O livro reúne alguns
autores nacionais já conhecidos pelo público, como Roberta Spindler (autora de
Contos de Meigan), Karen Alvares (Alameda dos Pesadelos) e Georgette Silen (Apenas
uma Taça & Lázarus). Além disso, a produção gráfica de Hoton Ventura para a
capa é magistral. Apesar disso, devo destacar que alguns erros de revisão são
encontrados ao longo do livro, bem como problemas de entendimento que ocorrem
ao longo de alguns textos.
O conto de abertura é de Georgette Silen. Em Domo Acra, a autora monta
cuidadosamente um cenário distópico da humanidade. Nele, a religião volta a ser
o centro da estrutura social, gerando castas de trabalhadores que mantêm o
domo. Os membros da população, no entanto, nunca podem se envolver
sentimentalmente com outros seres humanos e gerações passaram sem conhecer o
lado de fora da cidadela. Ao menos até Eve, que redescobre sensações e
sentimentos humanos pela sua curiosidade natural, principalmente ao encontrar
um cavaleiro. Daí passa uma pequena jornada até que ela consiga escapar da prisão
e encarar o outro lado. O enredo é espetacular e consegue segurar o leitor do
início ao fim.
O conto seguinte, A Obra é do Tempo, de Suzy M. Hekamiah, é de uma delicadeza
tocante. Logo de início somos surpreendidos com a doçura da relação mãe-filha,
que se desenvolve num circo que aparece uma vez por década em alguma cidade e
mostra para as crianças brinquedos de vários tempos. Mas a cada surgimento, o
lugar traz uma surpresa aterradora para alguma das crianças. Com um começo
encantador e um término surpreendente, o conto de Suzy faz jus à coleção.
O terceiro conto é Cinderela Underground, do Emerson Datas e Pimenta. Num enredo de
roupagem quase comum, mostra-se na verdade futurista, com direito a viagem
espaçotemporal. O conto é uma versão moderna e sem final feliz de Cinderela,
onde uma stripper com sapatinhos de cristal não é salva por seu príncipe
proletariado. O conto tem uma atmosfera deprimente, e acho que capta bem o
espírito do personagem. Algo que me incomodou foi a fala de uma personagem que
pareceu pouco realista.
Karen Alvares remasteriza o clássico conto de fadas
em Austengard, um mundo onde
criaturas míticas convivem abertamente com os seres humanos. Apesar da
convivência, há um repúdio natural às bruxas, principalmente por parte das
fadas, que são prontamente identificadas por duas verrugas que sempre estão em
seu rosto. Mas duas meninas não entendem essas convenções históricas e se
tornam amigas, até que a traição de uma delas as separada. O conto não traz
cenas inesperadas, o que não vejo problema algum, pois a descrição das cenas é
feita naturalmente. Um ponto-chave do conto é a independência da bruxa, que
mais parece uma versão mágica da mulher da sociedade moderna, independente e
forte.
Em seguida, o conto Símbolos do Diabo (Davi Gonzalez) traz um relato inquietante de um
mundo onde ler e escrever foram proibidos, sendo sinais de satanismo. Num
cenário mais do que possível, os humanos destruíram grande parte do planeta; e agora
(?) os ricos se aproveitam da camada mais baixa para produção enquanto se
escondem em pequenas áreas que ainda preservam a beleza natural e o patrimônio
cultural da humanidade. Não só como visão de um futuro, o conto do Davi serve
para pensarmos como se dá as relações de trabalho nos dias de hoje.
Roberta Spindler dá um passo fora das distopias e
dos contos de fadas. Em seu conto, mostra que deformações físicas não são o
suficiente para fazer com que um ser seja um monstro e nos mostra que algumas
pessoas guardam Monstros Interiores.
O conto é um convite para pensar sobre o que importa nas pessoas e como se dá
as relações humanas. Pedro, um menino, se diz um grande descobrir e de fato
descobre algo grande: um monstro em seu porão. A eles podemos atribuir o valor
de amigos e ao seu violento pai invertemos o valor e lhe damos aquele que antes
seria do monstro.
O último conto fecha a antologia de forma
sensacional. Apropriando-se da mitologia nacional, o que pouco se vê ainda
entre os autores nacionais, Ricardo dos Santos constrói a reabilitação de um
boto no conto Amadurecendo, que
percebe suas falhas calcadas num pensamento machista e opressivo às mulheres.
Vai mais além quando mostra a felicidade de um casal de mulheres com seu filho,
e por isso ele e a Buriti merecem aplausos. Representatividade importa!
De modo geral, a antologia foi muito bem construída
e não apresenta falhas grotescas ou contos ruins. Todos que lerem isso aqui:
saibam que é uma ótima pedida para conhecer a literatura nacional.