Godó,
apelido pelo qual a maior parte das crianças do orfanato chamavam aquele menino
de cabelos negros em cuia que nem de índio desde que se lembravam de o
conhecer, sempre quis voar. Achava muito legal a ideia de estar passeando por
entre as nuvens e ainda poder ver de lá de cima todas as coisas pequeninhas
embaixo – tudo muito minúsculo, que nem formigas. Os pássaros devem ter a vida mais legal do mundo, costumava dizer para
quem quisesse ouvir, eles podem ficar o
tempo que quiser voando por aí e se não gostam de um lugar só voam pra beeem
longe.
Dona
Isadora, a diretora do orfanato, era quem não gostava nadinha de ouvir essas
lenga-lengas (como ela mesma dizia) sobre voar e ir pra longe, afinal podia dar imaginação demais pras
crianças e outra sorte de ideias inconcebíveis – mas as crianças nem sabiam
o que significava essa palavra aí, inconcebível, e achavam ter algo a ver com poder
voar ou fazer mágicas. Mas nem fazia diferença, porque todos eles adoravam
ouvir as “lenga-lengas” do Godó até altas horas da noite, muitas vezes
escondidos em algum compartimento da grande casa e ouvindo a história que ele
contava bem baixinho pra que ninguém mais acordasse.
Uma
vez por semana eles marcavam de se encontrar logo depois das 10 da noite,
quando Dona Isadora já estava em seu quarto dormindo. Os grupos saíam de seus
quartos o mais silenciosamente possível e iam ao lugar marcado, toda semana um
espaço diferente daquele usado na semana anterior – algumas vezes o encontro era
até no escritório da Diretora, só pra aumentar a sensação de perigo quando as
histórias eram desse tipo.
E, essa semana, Godó tinha
marcado exatamente no escritório dela.
Manu, uma menina loira
que falava pelos cotovelos e estava sempre correndo com os meninos, foi a
primeira a sair do dormitório das meninas. Ela tinha um gosto por aventura
maior que as outras garotas e sempre ia primeiro nessas coisas - pra checar o território, costumava dizer
em voz alta e cheia de coragem às outras. Neste dia, saiu do quarto exatamente
às 10:05 e deu uma volta rápida pelo segundo andar sobre as pontas dos pés,
fazendo o mínimo de barulho possível, para verificar se a diretora realmente já
tinha ido dormir. Depois voltou e deu uma batidinha na porta do quarto das
meninas e dos meninos. Quando a porta se abriu para as crianças saírem, ela mesma
saiu correndo para ser a primeira a chegar ao escritório.
Manu entrou com o
sorriso aberto no escritório, mas logo murchou: Godó já estava lá, sentado na
grande poltrona de couro da diretora, mãos cruzadas sobre a mesa que nem a
mulher fazia quando ralhava com algum dos órfãos.
- Mas ora essa, estamos
novamente correndo pela Grande Casa altas horas da noite, srta. Manuela? –
Imitou o tom autoritário de Isadora, mas logo caiu na risada ao ver a cara de
irritação de sua pequena companheira.
Tinha um apreço
especial pela menina, mesmo ela sendo bem mais nova que ele. Enquanto ele já
tinha 12 anos completos desde novembro passado, ela tinha 6 anos e meio.
Tratava-a como a uma irmãzinha. Vezemquando ela quebrava alguma coisa e ele
assumia a culpa sem que ela soubesse, só pra não brigarem com a menina. Semana
passada tinha sido o caríssimo vaso chinês do Salão de Entrada doado por uma
família riquíssima que adotara uma criança três meses antes e estavam
felissísimos juntos.
O vaso ficava na
mesinha de canto perto da porta que levava à cozinha e Manu estava correndo
pelos corredores e se esqueceu completamente que tinha algo ali. Resultado: vaso
quebrado e Isadora passando horas intermináveis ralhando com ele coisas tal
“como um moleque desse tamanho ainda fica correndo por aí?!” e “inadmissível
que depois de tantos anos aqui você ainda não se comporte”, e tudo isso enquanto
o encarava por sob seus oclinhos desgastados com aqueles olhões enfurecidos.
- Não vale! Você sempre
chega primeiro! E nem avisa pra ninguém que a bruxa velha – maneira carinhosa
dos pequenos se referirem à Isadora em sua ausência – já foi se deitar! – e se
danou a resmungar. Mais cedo eles tinham apostado o chocolate do almoço de
sábado quem chegava primeiro no encontro e, se tinha uma coisa que Manu
detestava do fundo do seu coração, isso era perder chocolate.
As outras crianças iam
chegando aos poucos e ficavam rindo dos resmungos de Manu. Com a exceção de
Jamilly, é claro. Ela não era de rir muito por causa dessas piadas e
brincadeiras – na verdade, ela não ria de quase nada, exceto, talvez, de
ouriços cacheiros, pois os achava extremamente engraçados. Quero dizer, até
falar alto aquele nome a fazia rir.
O-u-ri-ço-ca-che-i-ro.
Mas, em geral, Jamilly
era uma criança muito séria. Vivia escondida atrás de alguma coisa: às vezes atrás
de algum grande livro de capa dura tão pesado que mal podia carregar e outras
atrás de seus grandes óculos de aros redondos com o qual costumava olhar pras
formigas e pros besouros. Mesmo que não fosse lá muito simpática, ela era uma
das melhores amigas de Godó, até porque estava no Orfanato Formoso por tanto
tempo quanto ele, ou até mais (ninguém sabia bem dessas coisas, pois os
registros nunca eram mostrados pras crianças – inclusive, os registros começaram
a ser chamados de Arquivos Obscuros pelas
crianças depois de uma história particularmente tenebrosa que Godó contou dois
anos antes).
Jamilly ainda abriu a
boca pra começar a brigar com o menino por ficar pegando no pé da pequena, mas
ele logo percebeu a disposição dela de arrumar uma longa discussão sobre o
assunto e fez todo mundo se aquietar dizendo que ia começar a história do dia.
Sabia que não ia fugir dela no outro dia, mas não escutar na frente de todo
mundo já era bom o suficiente.
- Hoje eu vim contar
pra vocês a história dum sonho que eu tive anteontem. Bom, tudo começou quando
um grupo de heróis ouviu falar de uma lenda antiga, originada antes mesmo dos
templos gregos ou egípcios. Essa lenda dizia que havia um objeto escondido no
mundo que traria imenso poder ao seu usuário, mas que foi muito bem escondido
por Gregóriles, o mais grandioso mago de todos os tempos, famoso por vários e
vários motivos, como ter descoberto como usar a energia dos sonhos na magia da
época. Uma das heroínas, Jenny, muito inteligente que era, percebeu que o
objeto tinha sido escondido do mundo para que não caísse nas mãos erradas e que
era melhor que assim permanecesse. Explicou para os outros que, por exemplo, se
a Rainha dos Vales Obscuros conseguisse por sua mão nesse objeto mágico,
provavelmente ela traria muita infelicidade para o resto do mundo com suas
vontades sombrias.
- Mas a rainha não
sabia de nada, né? – Perguntou Manu, que já tinha parado de resmungar fazia um
tempo e agora ouvia absorta a história de Godó.
- Na verdade, Manu, ela
sabia. Os heróis descobriram só por causa de um dos subordinados da Rainha, que
o povo chamava de O Grandão. Apesar de ser assim tão grande que mereceu esse
nome, ele era bem burrinho, tadinho. Algumas pessoas inclusive diziam que ele
tinha caído numa poção do esquecimento quando criança e que ficou para sempre
com sequelas do preparo mágico e que começou a ser chamado de O Grandão só
porque numa noite de Festas Travessas ele esqueceu o próprio nome quando foi
cantar no palco.
- Festas Travessas?!
Que nome engraçado! – Riu-se Zézinho, um garoto mais novo que Manu que era tão
pequeno, tão pequeno, que mais parecia um piolho.
- Costumava ser uma
festa bem engraçada logo que surgiu, mas depois de um tempo não foi mais assim.
Bandidos de todas as regiões, espiões, assassinos, brutamontes, bruxas da
floresta, diretoras de orfanato, enfim, todo tipo de gente má foi começando a
participar das Festas Travessas e ela acabou se tornando uma festa muito
perigosa. Quando isso começou a acontecer, quase nenhuma gente de bem ia lá; e
crianças, só se fossem trombadinhas ou espiãs das Terras Cristalinas, que era o
caso dos heróis dessa história.
- Mas os heróis eram
crianças?! – Perguntou Zézinho, surpreso.
Manu retrucou: Ué, e
por que não? Eu sou criança e sou muito mais corajosa que muita gente grande
por aí! E muito mais que vocês meninos, também.
- A Manu tem razão, Zé.
E aquelas crianças eram, sem dúvida nenhuma, as mais bravas de todos os reinos.
Tinham muitos boatos sobre elas, muitos inventados pelos povos e pelos bardos,
mas muitos verdadeiros. Um dos boatos mais conhecidos sobre eles era de quando
eles tinham enfrentado com muita perspicácia o velho Lorde Andrew Cantos, que
queria separar as princesas Magda e Moira para sempre! Eles entraram no castelo
dele fingindo ser entregadores de flores das montanhas geladas do Norte para o
casamento e depois, fingindo serem missionários da igreja do santo casamento
entre lordes e princesas conseguiram que o guarda abrisse o quarto de Magda,
soltando-a assim de seu infeliz destino. O Lorde ainda tentou ir atrás deles,
mas ninguém corria na floresta como eles, isso eu lhes digo, ninguém!
- O Lorde não tinha
cães de caça?
- Na verdade, não. Mas
ele tinha papagaios de caça, temidos em toda a região por suas bicadas ferozes
e por deixar titica por todo lugar que passavam – um bando tempestuoso de aves
malignas. E o bando foi atrás dos heróis e os encontraram nos confins da
Floresta da Entrada, que na verdade não levava a lugar nenhum, pois parava às
beiras de uma montanha gigantesca e inescalável. Porém não puderam fazer nada
com os heróis, pois nenhum animal não-humano podia fazer algo de mal pras
princesas Magda e Moira. E foi assim que eles conseguiram escapar do castelo e
fugir das terríveis garras do... Lorde Andrew.
- E o que isso tem a
ver com a Rainha dos Vales Obscuros?
- Ah, na verdade não
tem nada a ver... Desculpa. Então, continuando: era dia de Festa Travessa e
havia gente má pra tudo que é lado, mas lá estavam as crianças heroínas em seu
intento de descobrir as coisas. O Misterioso, especialista em disfarces da
equipe, engatou numa conversa com O Grandão, que acabou falando de sua nova
missão. A Rainha queria que ele encontrasse e seus capangas fossem na igreja
mais antiga da cidade e procurassem uma suposta câmara secreta, que um dia foi
um dos diversos lugares que Gregóriles ficou em suas viagens, e assim
procurassem qualquer coisa que ele tivesse deixado para trás.
- E como ela sabia que
o mago tinha passado por lá?
- Na época ninguém
descobriu como, mas depois de algum tempo descobriram que ela havia gasto
muitos anos de sua vida aprisionando a alma de gente importante que morria por
todos os reinos. Ela aprisionou a alma de estudiosos, magos, missionários,
príncipes e reis nobres, sábios – e até de gente maligna, mas poderosa também,
que tinha muito dinheiro e poder, porém pouca sabedoria.
- Nossa! Ela era uma
pessoa muito má, né?
- Sem dúvida nenhuma, e
mesmo assim tinha centenas de súditos, ainda que muitos aleguem que tudo isso
se devia a maldições de dominação e ameaças. De qualquer forma, agora eles
sabiam que ela estava na trilha do objeto lendário e que eles não poderiam
ficar parados diante aquilo. Depois do término da festa, seguiram silenciosamente
O Grandão e seu grupo de saqueadores pela cidade e se depararam com a grande
Catedral de Nós Todos. Eles viram o grande grupo de malfeitores entrando no
lugar, mas Jenny parou seus amigos heróis. Disse: “Eles erraram. Essa não é a
igreja mais antiga dessa cidade. A igreja mais antiga da cidade foi demolida e
só sobrou sua área subterrânea, que fica debaixo do palácio central.” Todos
estavam admirados com o conhecimento dela e logo...
Toc-toc-toc-toc-toc-toc.
Um barulho estranho
vinha do andar de cima. Parecia barulho de... Sapato!
Isadora provavelmente
tinha acordado e andava no andar superior com seus saltos pretos. Todos ficaram
com os rostos pálidos de medo e olhos arregalados, sem saber o que fazer. A
porta do quarto da mulher se abriu rangendo e todos pareceram ficar mais
pálidos do que era humano. Godó, que já estava acostumado a burlar uma regrinha
aqui e ali, levantou-se de súbito antes que todos entrassem em pânico e saíssem
correndo pelo grande casarão pra se esconder. Pôs o indicador em frente à boca
para pedir silêncio aos outros e cochichou algumas coisas ao ouvido de Jamilly.
Foi até a janela e a
abriu devagar, pra não fazer nenhum
barulho. Saiu pela janela do escritório de Isadora e andou por um caminho
de pedras, sendo guiado pela fraca luz que a lua permitia chegar até eles. Era
meio difícil andar nas pedras descalço, mas continuou ignorando completamente a
dor em seu pé. Chegou à árvore, pegou algumas das pedrinhas no chão e lançou a
primeira contra a janela do quarto da diretora. Tá! Então a segunda. Tá!
E se escondeu atrás da árvore quando a mulher ligou a luz do quarto e correu à
janela para ver o que tinha sido aquilo.
Seu coração batia forte
de tanto medo que estava. Achava que se alguém estivesse perto naquele instante
poderia até ouvir as batidas. Viu a luz de uma lanterna passando pelo campo
longe dele. Saiu de trás da árvore por uns segundos, viu que Isadora focava em
outra direção e lançou mais uma pedra. Para
ela não perder o interesse na busca – pensou.
Agora a lanterna
procurava próximo demais da árvore onde ele se escondia, mas dificilmente ela
lhe veria se ele continuasse ali agachado. A luz da lanterna passou várias
vezes por ele, e então ele se virou para ficar olhando à janela do quarto das
meninas, que dava naquela direção do grande terreno também. Depois de alguns
minutos apreensivos, viu que a luz do quarto das meninas acendendo e apagando
várias vezes – sinal que tinha pedido para Jamilly lhe mandar caso tudo tivesse
dado certo e todo mundo já estivesse em seus quartos.
Aliviado já que os
outros não estavam mais em perigo, mas ainda com medo, encostou-se de novo ao
tronco e ficou esperando a lanterna desligar para ele voltar à sua querida e
confortável cama. Enquanto esperava as luzes desligarem, ficou pensando no que
os heróis encontraram na velha igreja e como continuaram a missão.
Provavelmente tentariam encontrar o item mágico antes da Rainha e iriam
acrescentando novos desafios no caminho para impedir que ela chegasse perto de
encontrar. Imaginou uma conversa entre Jenny e o líder da expedição, e o grande
casamento que um dia eles iriam ter depois de todas suas aventuras.
Nem se deu conta que
tinha adormecido. Só ouviu os passos de alguém se aproximando e ao longe a
silhueta dum homem gigantesco. Inferno!
Ela chamou o Seu João! Seu João era o zelador e vigia do Orfanato Formoso e
vivia numa casinha pequena dentro da propriedade. Era sem dúvida um dos maiores
terrores das crianças, principalmente dos novatos, já que os mais velhos já
tinham ‘a manha’ para enganar o homem. Os meninos, inclusive, faziam um ritual
de entrada para os mais novos: o menino novo tinha que entrar na casa do Seu
João e pregar alguma peça nele, como trocar seu açúcar por sal ou pregar suas
sandálias com superbonde no chão.
Manu tinha sido a
primeira garota a ser admitida no Clube
da Guitarra Velha – nome dado por um dos membros-fundadores 7 anos antes
por causa de uma velha guitarra, a qual na verdade era um violão, que os
meninos tinham escondido no sótão e que brincavam de vez em quando com ela. Ela
nem tinha pregado a peça no Seu João para entrar no clube, pois nem sabia da
existência dele (como a maioria das meninas), mas mesmo assim foi chamada numa
reunião de última hora e admitida nele. Afinal, ela tinha apenas entrado na casa do zelador enquanto ele dormia e pregado sua
roupa do corpo ao colchão com um grande pregador de por papéis nos quadros de
aviso. E de manhã lá estava ele, gritando: ALGUÉM
ME AJUDA! TÔ PREGADO NA CAMA!
Ninguém nunca tinha
visto Isadora tão enraivecida quanto naquele dia, nem mesmo naquela vez quando
João Funga-Funga, adotado aos 8 anos por um casal de professores universitários
e membro honorário do Clube da Guitarra Velha por seus memoráveis feitos,
substituiu todo o creme de rosto da diretora por lama do velho lago do fundo do
orfanato. As crianças mais antigas ainda lembravam com bastante humor como o
resto da velha bruxa tinha ficado na ocasião, todo purulento e marcado de vermelho,
que nem “cara de adolescente”.
Vejo agora que eu
mesmo, o narrador dessa história, tenho a mesma mania do menino Godó, sempre
pegando novos caminhos que se entremeiam em suas histórias só pra mostrar a
beleza doutros lugares – mas bem, bem, melhor eu continuar o que antes contava
e depois posso, entrelinhas, falar doutros acontecimentos do orfanato com as
crianças mais astutas do país. De onde havíamos parado: lá estava o Seu João,
agora não tão longe depois do tempo que Godó saía da confusão do recém-acordar
e do choque que a situação lhe causara.
- Menino, não atreva a
se mexer que eu tô te vendo!
- Me obrigue!
E lá se foi Godó,
correndo desesperadamente em busca da própria salvação, o coração palpitando
mais que de cavaleiros medievais diante dragões – o que, na opinião de muitos
ali no orfanato, era quase a mesma situação que enfrentar as gigantescas
lagartixas cuspidoras de fogo; e, na de outros, necessitava ainda de mais
coragem porque depois do dragão não tinha nada pra enfrentar no caso do cavaleiro
ser pego, e no caso do velho zelador, o capturado tinha ainda que enfrentar a
velha Isadora e seus óculos e mãos cruzadas sobre a mesa, e aí qualquer um iria
preferir mesmo o fogo das narinas reptilianas, sem dúvida nenhuma!
Haja corrida. Godó
rodeava a grande casa enquanto Seu João mancava atrás dele, sendo deixado para
trás a cada segundo pelo menino mais que serelepe, correndo que nem lebre
fugindo de lince ou menino fugindo de beijo de tia na frente dos amigos. Um
público já começava a ser visto pelas janelas e muitos começavam a gritar dicas
sobre o que ele deveria fazer. Deu até pra ouvir direitinho a voz de Manu por
entre as outras: “Joga o velho manco no lago! Joga!”
Burburinho por todos os
lados, muitos comentando sobre o que aconteceria a seguir, mas a única
realmente sã naquela papagaiada – papagaiada não, porque não tinha nenhum
papagaio ali, meninada mesmo – era Jamilly. Essa já tinha falado que era melhor
ele ter se entregado logo ou corrido pra se esconder na casa entre todos os
outros, e como ele não fez nada disso, nem ficou pra ver o futuro do menino,
pois ela mesmo já sabia qual era. Sentou em sua cama e puxou As caçadas de
Pedrinho, que já terminava de ler depois de dois dias debruçada sobre o livro.
Levantou os olhos com
um ar de “eu sabia” quando todo mundo parou de falar no mesmo segundo, menos
Manu, que ainda deu um último grito de suporte: Te esconde antes que a velha
venha! Mas, bom, já era tarde demais.
Isadora estava em
frente da porta principal da casa. Os órfãos já a conheciam o suficiente para
saber que a cara dela de alegria, de tristeza e de raiva eram as mesmas. Exceto
quanto realmente irritada com algo. Olhos verdes esbugalhados, lábios
contraídos até quase desaparecerem, rosto completamente congelado – alguém
estava muito, muito ferrado quando se deparava com essa cena. Todos recuaram
das janelas, exceto alguns dos amigos mais próximos do menino, que ainda
ficaram pra ver a derrota de Godó e fazer caretas diante a cena.
Godó ainda nem tinha
visto o que acontecia e corria rapidamente do zelador em direção da grande casa
pra se refugiar entre os outros meninos. Seu rosto vermelho pelo esforço e
suando como se tivesse jogado uma partida de futebol inteira como atacante,
passou direto pela árvore onde se escondera antes e correu em direção ao gol –
no caso, a casa que poderia lhe dar abrigo – mas deu de cara com aqueles
grandes olhos esbugalhados de vilã de filme infantil.
- Caraca, agora o bicho
pegou!
- Siga-me neste
instante.
E ela falou de maneira
tão fria e seca que ele já sabia o que ia acontecer. Todos sabiam, mas ninguém
podia fazer nada. Mas tudo bem, ele já estava acostumado àquele tratamento
desde criança e nem chorava mais. Seguiu a mulher por entre os corredores
escuros e desceu as escadas até o grande porão, olhos abaixados e sem
reclamações.
- Que droga. Como eu
queria poder voar pra longe desse lugar que nem os passarinhos, bem pra longe
dessa bruxa.
coitadinho do godó
ResponderExcluirDesde que eu tinha uns catorze anos eu costumava escrever historinhas sobre orfanatos. Tanto pela quantidade de crianças diferentes que poderiam ser reunidas com sonhos e perspectivas distintas de vida, quanto pelas possibilidades e situações legais para se criar e recriar, não apenas quanto às crianças, mas principalmente pela casa - no caso da história de godó um lugar lindo e bem cuidado - e isso é fascinante. Meus parabéns pela construção, espero que nos traga a continuação da história, pra mim a Manu já é a favorita.
ResponderExcluirAaaaah, fiquei tão absorta na história do Godó! Me senti lendo de novo O Senhor dos Anéis... Quero saber o final, Bruno! Vou te cobrar um conto específico para isso durante o resto da sua vida! Hahahaha
ResponderExcluirNem preciso dizer o quanto você escreve bem, né? Obrigada pelos minutinhos de paz no meu dia. Voei para beeem longe, para as terras de Gregóriles e da Rainha dos Vales Obscuros, como um passarinho. :)
Nem preciso dizer o quanto gostei, né? Na verdade, acho que preciso sim. Eu gostei MUUIIITO!!!! Não vejo a hora de ver o que acontecerá com o coitado do Godó( amei ele *.*). Vamos ter um segundo capítulo? :)
ResponderExcluirTodos ama Manu hahahah
ResponderExcluirEla é um amor mesmo, assim como a história toda. Me perco lendo, na verdade devoro querendo saber o que acontece em seguida. Tão leve que nos faz achar que tiramos os pés do chão, mais provável é que tenha transportado nossa imaginação para o orfanato formoso.
É como ver meu sonho (estranho talvez?) de criança ganhando forma.
Continue escrevendo Bruno, nos faz um bem danado *-*
Amei a historia, me fez viajar aqui. Entrei literalmente na historia, gostei muito do Godó e da Manu e já to ate vendo esses dois aprontando muito.
ResponderExcluirBruno está de parabéns pela historia e trate de nós dar logo o segundo capitulo.
Interessante o caráter "enciclopédico" da narrativa, pois a cada momento o leitor é "desviado" para um outro caminho, conhecendo mais um pouco das histórias dessas crianças. Imaginei que seria uma narrativa triste, mas descobri que não. Bacana!
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