Título:
Natal Fantástico
Organizador: Ademir Pascale & Gian Danton
Autores:
Andrea Carvalho, Ben Green, Danny Marks, Edileuza Bezerra de Lima, Edweine
Loureiro, Francelise Márcia Rompkovski, Gian Danton, João Manuel da Silva
Rogaciano, Miguel Carqueija, Priscila Boltão, Reinaldo Yamauchi
Editora:
Infinitum Libris
Ano:
2012
Número
de Páginas: 101
Quando chegada a época de Natal, é
impossível manter a vida num ritmo normal nas grandes cidades do Ocidente. Dum
lado, algumas pessoas se deixam inebriar pelas compras, trocas de presentes,
sentimentos quase caridosos e a televisão se enche de filmes com bastante neve
e que terminam com todos felizes, aconchegados diante uma lareira acesa. Do
outro, rejeitando o motivo pelo que fazer, enchem-se de críticas ao período que
passamos, todos com justificativas aceitáveis, mas que pouco se tornam úteis ou
aproveitam ao longo do ano vindouro. Seja lá qual a situação, somos afetados
pelo corpo espiritual, quase maciço, da época natalina.
Isso se reflete não apenas no dia-a-dia,
nos shoppings repletos de gente andando para todos os lados desesperamente à
procura do presente ideal. Muito da mágica (ou da realidade) do Natal adentra a
literatura e o cinema. E, ainda que muitos bradem veementemente sobre o
carácter clichê das obras artísticas relacionadas ao Natal, elas continuam
vindo todo ano. Particularmente, acredito que a arte é feita de absorção e
modificação de tudo que recebemos, e nada é puramente original. Ainda mais,
sempre os autores novos acrescentam pequenas coisas, às vezes com habilidade e
outras de forma desajeitada, sempre deixando sua marca.
Dentre as obras mais célebres com a
temática natalina, há um conto do inglês Charles Dickens (1812-1870) de nome Um
Conto de Natal (original: A Christimas
Carol). Tendo como objetivo homenagear um dos contos mais conhecidos do
autor inglês, os dois organizadores de Natal Fantástico trabalharam juntos e
organizaram esta antologia de contos fantásticos que deveriam, obviamente,
adotar a temática natalina. O livro foi publicado pela editora Infinitum Libris
e segue o formato de e-book. Desta
forma, 10 autores e Gian Danton apresentam seus contos natalinos, bastante
diversos dentro do que poderia acontecer no natal. Alguns recheados das
críticas que todos nós gostaríamos de fazer hora ou outra, outros mais leves,
mas nem por isso menos interessantes.
O conto que dá início à obra, O
Natal de Lúcifer (Edweine Loureiro), traz um conflito dentro do que chamarei
aqui, por falta de nome melhor, mitologia cristã. Lúcifer, condenado à humilhação
eterna por ser um dos peões nos planos de Deus, demonstra continuamente seu
desprezo ainda mais intenso no dia do nascimento de Jesus. Outro conto também
tem como base a mitologia cristã. O conto “Se acreditares!” de João Rogaciano,
no qual um menino que “a sua idade não ocuparia todos os dedos das suas duas
mãos” anda desanimado pelas ruas da cidade grande, esfaimado e sem ninguém para
lhe dar apoio; apenas para receber a ajuda de um desconhecido com poderes
extraordinários. O conto adquire uma atmofesra quase doce, apesar dos
contratempos apresentados ao personagem principal.
Bem diferente de como a príncipio
imaginei, pouco foi aproveitado do cristianismo para a confecção dos contos (ao
menos dentre aqueles aceitos pelos organizadores durante o processo de
seleção). Os outros contos se aproveitaram bastante d’outras ideias, sendo que
achei originalíssima e muito me agradou a ideia de Andrea Carvalho no conto “O
menino que vê a verdade”. Neste conto de terror, o Natal traz consigo criaturas
horrendas que se alimentam das almas das crianças. Pessoalmente, acreditei que
essas criaturas tivessem algo similar às fadas de Changeling – o Sonhar, ou que
aparecem em Crônicas de Spiderwick.
Outro conto que traz novas
perspectivas para os contos natalinos é o de Miguel Carqueija, de título “Sinos
de Natal”. O conto envolve o reencontro de mãe e filho, depois que esse ficou
preso por anos, em dia de natal. É um conto comovente – não sei se apenas para
mim, que sou bastante suscetível a enredos do mesmo tipo. O melhor: se passa
num futuro no qual outros locais foram povoados pelos seres humanos. Apesar das
minhas considerações passadas sobre a ficção espacial ter de ser mais realista,
não acho que seja o caso, já que o futuro espacial é utilizado como cenário
para a trama verdadeira. Ainda que tenha achado o conto interessante, NÃO o
considero como literatura fantástica.
Na minha noção de literatura fantástica, o personagem e/ou o leitor
deve ficar com a pulga atrás da orelha sobre a possibilidade daquilo ser ou não
real, como admissível no mundo que o cerca. Qualquer coisa além disso parte
para o terreno do maravilhoso, e não do fantástico. O conto de Miguel
Carqueija, segundo minha noção de classificação, se encaixaria idealmente em
ficção espacial e não em fantasia – e não é por isso que deixa de ser
aprazível.
Dentro desta concepção que
apresentei, dois outros contos me deixaram contrariado quanto ao encaixe na
proposta de fantasia: Canção de Natal, do autor-organizador Gian Danton; e Um
conto sobre Encanto, de Edileuza Lima. A existência de um final onde tudo o que
ocorreu foi sonho quebra a existência da fantasia no enredo. Discuti com
algumas pessoas sobre o assunto nos últimos dias, e para elas a fantasia
permaneceu durante todos os acontecimentos fantásticos durante o sonho e do
início ao meio do conto, caracterizando-o assim como fantasia. Minha opinião,
porém, permaneceu. O encanto fantástico se quebra junto com o sono, e como
caracterizados uma obra como um todo e não por parcelas dela, não caracterizo
um conto onde a fantasia é restrita aos sonhos como fantástico (exceto em casos
como o de Changeling – o Sonhar). Ainda assim, o conto de Gian Danton consegue
deixar dúvidas sobre o que realmente ocorreu ao personagem principal, mantendo
os mais básicos aspectos da literatura fantástica e entrando como fantasia ao meu ver. O conto de Edileuza Lima, no
entanto, parece-me mais surreal que fantástico.
Em “O Homem que queria destruir o
Natal”, Danny Marks apresenta a opinião que é amplamente difundida nas redes
sociais durante a época natalina. Todos, neste período, falam que todos
(estranho isso, né? Todos falarem de todos) retêm o bom espírito natalino
apenas durante essa época, e que o mais coerente era manter durante o ano todo.
O personagem espalha sua Verdade e, ao se deparar com a impossibilidade de
mudar o mundo, muda de direção. A ideia foi interessante e bem construída, mas
em minha opinião peca por expor tão claramente os conceitos que o autor visa
pregar – e, por isso, não completamente de meu agrado.
Uma cena que ficou grudada em minha
cabeça após ler o livro foi a da pequena Brianna Wilcox sorrindo ao pé da
escada, de forma maligna, acenando para o irmão que era levado embora para
sempre de casa. Essa cena pertence ao conto “O Natal dos Gêmeos”, de Priscila
Boltão – e consta entre as cenas mais marcantes do livro, junto com o crânio sorrindo
assustadoramente no término do conto “Tomás”, de Francelise Rompkovski.
Como não poderia faltar, os dois
contos que restam trata sobre espíritos que de alguma forma surgem na vida dos
personagens. Em “As Moiras”, Ben Green retrata um acidente de carro que muda a
vida do personagem, trazendo-o à realidade que lhe é mais gentil e alegre, após
uma vida cristalizada na ganância. Em “Desejo Realizado”, um homem ganancioso à
beira da morte ganha mais uma chance de se redimir e, ao render-se novamente ao
pecado que lhe é tão característico, sofre mais uma punição.
Apesar de ter falado bastante, o que
se deve saber é que a obra merece ser lida. Os contistas selecionados são de
fato muito bons e têm a possibilidade de ainda surgirem com mais impacto na
literatura nacional – se a valorizarmos mais. A leitura é divertida e merece
uma bela xícara de café preto, bem forte, para acompanhá-la. A leitura é
recomendada para qualquer pessoa que curta fantasia. Pode-se conseguir o e-book
a partir da página do facebook da editora Infinitum Libris, na loja virtual
deles. O livro está sendo distribuído gratuitamente.