Título:
Fantasiando
Organizador:
Sérgio Prado
Autores:
Alda Pereira, Alexandre Leão, Ana Maria dos Santos Silva, Andy Azous, Betta
Fernades, Bruna Souza Resende, Bruno Eleres, Carla Witch Princess, Carla
Dalmolin, Carla Elisio, Cadu Lima Santos, Carlos Henrique Pereira Maia,
Christian Lima, Claudio de Albuquerque, Danilo Souza Pelloso, Mayra Maneira,
Gian Danton, Ivan Lantyer Neto, Jony Anderson de Oliveira, José Alexandre Fargi
Faria, Judith Nogueira, JBAlves, Luana Galindo, Marcelle Acosta, Márcio Roberto
Goes, Marcos Alexandre S. de Almeida, Marcos T. Nogueira, Paulo Cilas, Renata
Zoppello, Robert Gilgueira Júnior, Rosângela de Moura, Sérgio Prado, Uda Qasim,
Werner de Paula
Editora:
Regência
Ano:
2012
Número
de Páginas: 156
Quando
crianças, nós sonhamos. Passamos os dias imaginando como o Papai Noel entra em
nossas casas mesmo sem termos lareiras, acreditamos livremente em vampiros,
bruxos, deuses, e muito mais. É um período que o mundo onírico faz parte de
nosso universo e se encaixa perfeitamente nele, sem muitos questionamentos.
Depois desta, temos uma fase onde a fantasia já se torna estranha às regras do
mundo, algo que não é possível no mundo real – daí desacreditamos em tudo
aquilo que nos contaram e passamos a ver o mundo com os “pés no chão”.
Como
uma forma de resgatar nossa capacidade infante de sonhar, acredito que o gênero
fantástico surja. Então, quando leio textos supostamente fantásticos que
atribuem o que houve de fora do mundano à loucura, sonhos ou imaginação, a
atração pelo texto diminui drasticamente. Não é o fato de tentar dar uma ordem
à fantasia, e sim dar explicações pouco criativas, como “eu sonhei com tudo
isso” ou “estou num hospício, afinal de contas”, dando ao texto assim uma
personalidade pouco madura dentro do contexto daquilo que é fantástico,
maravilhoso ou extraordinário. Afinal, dar uma explicação plausível ou quase já
foi feito inúmeras vezes. E, nem sempre, explicar o que é fantástico deve ser
uma preocupação, já que o objetivo central deste gênero é partir deste mundo para
outros.
E
acredito que seja essa minha principal crítica à antologia Fantasiando, publicada pela editora Regência em 2012, e organizada
pelo escritor Sérgio Prado. Vários textos me pareceram pouco desenvolvimentos
dentro da Literatura Fantástica, atribuindo explicações pífias para a fantasia.
O conto In Vitro e Extracorpóreo
(Renata Zoppello), que inicialmente apresenta uma ideia que me pareceu genial
para um futuro distópico, mostra ao fim que tudo não se passou de um sonho da
personagem. A Possessão (Danilo Souza
Pelloso) apresenta uma narrativa bem escrita e ainda melhor estruturada do que
uma jovem possuída pelo demônio sente (possessão em primeira pessoa, que
interessante!), e fecha o conto com a personagem sendo louca – uma coisa é
sugerir que seja loucura, e deixar no ar a dúvida, outra é falar abertamente.
Alexandre Leão, em Visões que Matam,
desenvolveu um suspense instigante, e entrega seu protagonista para um hospício
nas últimas linhas do conto.
Se
por um lado as explicações mais simples para o que é fantástico me pareceu
erroneamente aplicada à proposta do livro, o título Fantasiando também traz outro sentido, que não propriamente o que
sugeri. Fantasiar denota o ato de imaginar, e dois contos se destacam por
fazerem esse apelo em prol de mantermos a capacidade de sonhar. Betta Fernandes
(O Mundo Imaginário do Leo) tece com
habilidade e muito dinamismo, utilizando-se muito bem de pontuações, a
imaginação de um menino; e Rosângela de Moura (A Janela e a Chuva) retrata as lembranças de um adulto sobre como
era sonhar, num texto calmo e agradável.
Movendo-se
de como as crianças imaginam para o quê, o livro apresenta dois contos que me
pareceram infantis, daquelas que poderíamos sentar em frente a crianças de 5 ou
6 anos e ler sem problemas – e fazê-las querer um pouco mais. Luana Fernandes (Bella, a Fada Madrinha) teve uma
narrativa simples e delicada, deliciosa de ler do início ao fim, mesmo com os
fatos negativos que Bella presencia. Em A
Pequena e Desastrada Susan (Andy Azous), uma fada tem vários problemas em
realizar suas tarefas como fada da terra, mas, por fim, consegue fazer uma
belíssima criação – e o pequenino conto é repleto de uma atmosfera leve. Um
terceiro conto, que acho que poderia agradar um público predominantemente
feminino de 10-14 anos, é o de Marcelle Acosta (Confiando no Cara Errado). Nele, a jovem autora mostra, num
background fantasioso, os desejos e angústias de uma adolescente. Apesar de a
leitura não ter sido ao meu gosto, o conto foi bem estruturado para uma menina
de sua idade e bom para um estilo chicklit/fantasia – mas mostrou em demasia do
que claramente suas referências literárias, como Harry Potter e Crepúsculo (e
House of Night, talvez?).
Outro
problema que me pareceu comum aos contos do livro, e na minha opinião demonstra
um pouco da imaturidade na literatura de ficção, é a inserção à força de um
cunho moral – que não seja necessariamente parte da ação. Quero dizer, não é
formatar o enredo para caber análises filosóficas ou sociológicas, e fazê-lo de
forma descarada e dizer tudo que quer dizer diretamente. Para mim, isso na
maior parte das vezes descaracteriza um pouco a fantasia na qual estamos
inseridos, e é desnecessário e pouco empolgante. Este problema se repetiu três
vezes pelo livro:
Em
Tnias Niamreg, de Marcos de Almeida,
o autor torna mulheres em floresta, num contexto um tanto quanto confuso. Além
disso, um dos personagens fica explicando insistentemente que mulheres nunca
deixarão de ser flores e conta a história de seu planeta e etc. Acho que este
foi um dos contos que menos me agradou do livro, por essa sua características
extremamente explicativa e com pouco foco em ações ou pensamentos menos “moralistas”.
Carla
Dalmolin desliza e cai no mesmo erro no último parágrafo, no conto O Escritor Acorrentado. Nele, um
escritor fracassado entrega-se ao diabo em troca de poder escrever, antes de
saber que estava predestinado a produzir um livro extremamente interessante.
Desta forma, é buscado pela morte que condena ao inferno. No final, a morte dos
condenados pensa diretamente o que já estava claro no contexto, que seria sobre
a perda da confiança em si e à fraqueza ao enfrentar obstáculos. Ainda que tenha
sido um texto bom, este final me desagradou; e achei desnecessário.
Em
O País que Renasceu, Jony de Oliveira
inclui no enredo suas crenças políticas e morais, quando um vampiros chegam ao
Brasil e tomam conta do governo, submetendo os antigos políticos à servirdão.
De certa forma, o texto lembrou True
Blood, e o cunho político surgiu quase no final do texto, do nada e de
forma superficial – aliás, como falar bem de política num contexto fantástico em
até 8.000 caracteres? Acho que foi uma ideia ambiciosa, que precisaria de mais
espaço e trabalho. Outro problema que encontrei no texto, acredito que esteja
relacionado ao processo de revisão – em alguns trechos, as frases se tornam tão
prolixas que dificultam o entendimento.
Mas,
como toda antologia, existem alguns contos que simplesmente nos ganham do
início ao fim, e queremos os reler várias vezes. Gian Danton me surpreendeu
novamente, agora com O Segredo de Helena,
numa narrativa belíssima na qual o marido encontra algo que sua mulher falecida
havia deixado escondido, que passa a lhe lembrar das coisas que passou com ela, trazendo-lhe novamente felicidade e paz. Em Reflexões
de um Fantasma, um recém cadáver tece suas teorias sobre a morte e o
pós-morte, numa linha digna de grandes autores, como Joe Hill. Presença, de L. E. Haubert, traz uma
atmosfera monótona que se encaixa perfeitamente com o plot, no qual a morte leva duas vítimas para o outro mundo. O Estranho Caso de Silva Nerval (Ana
Maria dos Santos) é, simplesmente, algo que precisa ser lido pelos fãs da literatura
nacional, tanto por sua estruturação peculiar quanto pelo desencadear dos
eventos sobrenaturais na nova casa da protagonista. E O Livro do Bardo (Robert Filgueira Júnior), que deve fazer parte da
leitura dos fãs de fantasia medieval, cria um personagem envolvente, ao estilo
anti-herói, numa narrativa com a dose certa de aventura.
Alguns
outros textos também merecem ser comentados: Cadu Santos (Mortífera) apresenta uma personificação intrigante e divertida de
anjos da morte; Marcos Nogueira (A Cadeia
Alimentar) narra uma visão interessante, ainda que pessoalmente eu
discorde, dos motivos para não se comer carne, que lembra muito A Revolução dos
Bichos (George Orwell); O Triste Fim de
uma Sombrinha (Márcio Goes) é um texto bem humorado e inteligente que fala
sobre os “guardachuváceos” (e tudo narrado por um guaxinim!); Os Capitães Vampiros, de Ivan Lantyer
Neto, é dinâmico e contextualizado, além de apresentar um neologismo que se
encaixou bem na situação.
Como
um todo, o livro é interessante e uma boa pedida para os fãs de literatura
fantásticas, seja com lobisomens, vampiros, espíritos ou medieval. A seleção de
contos (36 ao todo) foi diversificada e equilibrada, ainda que tenha faltado
uma organização mais coerente entre temáticas (será que realmente necessária?);
e as imagens para cada conto são boas, ainda que não muito elaboradas e posicionadas
em lugares pouco favoráveis. O livro, infelizmente, apresenta alguns erros de
digitação e parcela dos contos poderia estar em melhor forma se o trabalho de
edição tivesse sido feito com mais afinco. Pela experiência com o meu próprio
conto que foi publicado neste livro (Rubro
Amor), que não mencionei acima, vejo vários pontos que poderiam ter sido
modificados em prol de melhorá-lo e, assim, melhorar o livro.
Assim
sendo, eu realmente indico o livro, apesar das problemáticas que apresentei; e
estou aberto a discussões sobre as situações que levantei. Informações para
compra dos livros podem ser conseguidas no sie da Editora Regência.