Archive for janeiro 2015

Eles Sempre Voltam - Parte II

Os dois seguiram pela floresta, quietos. Ainda estavam alvoroçados depois de avistarem a lobanil à beira da estrada e preferiram evitar qualquer encontro futuro, já que ela parecia ter percebido que havia algo de errado na área. Os olhos da mulher ainda ressoavam na cabeça de Milton e traziam inúmeras lembranças das últimas semanas, desde que fugira de Tefé com outros sobreviventes, incluindo Duque.

Entravam na terceira semana desde a fuga da pequena cidade, que ocorreu na manhã seguinte à chegada dos lobos. O começo dos ataques, por outro lado, já ocorria no Brasil há pelo menos duas semanas antes da invasão em Tefé. A cidade era isolada dos grandes centros urbanos, onde os ataques se concentravam, o que lhes deu tempo para fortificar a cidade como podiam. Mas pouco pôde ser feito pela cidade, já que não sabiam direito o que enfrentavam devido à falta de comunicação com as cidades maiores – apenas os rádios funcionavam bem depois dos primeiros dias de ataque.

Nos primeiros dias, o grupo decidiu encontrar locais de resistência, onde poderiam se proteger e ajudar outros sobreviventes. Passaram dois dias seguindo o caminho que os rios lhe ofereciam em direção a Manaus, com a ajuda de Seu Tico, um velho pescador e navegador de sangue, e de um barco que encontraram no píer da cidade. Mas a gasolina não os levou para muito longe, e encontrar mais combustível para o motor se mostrou uma tarefa impossível para o grupo – as pequenas comunidades no caminho estavam saqueadas ou, no pior dos casos, como descobriram a custo da vida das irmãs Vanessa e Mariana, com novos habitantes.

Milton não conseguia se esquecer das mortes que presenciara ou das pessoas que perdera de vista nas fugas e lutas. Não conhecia a maior parte deles antes da invasão lupina, mas há alguma coisa em sobreviver à morte juntos que constrói laços fortes de companheirismo entre as pessoas. Em uma ocasião mais comum, duvidava que tivesse se tornado próximo de um homem tão misterioso quanto Duque, por exemplo. A voz de Duque atravessou o silêncio que reinava entre eles há quase uma hora.

- Olha! Tem uma estrada aqui!

Vendo que o companheiro começava a caminhar em uma nova direção, cortando os cipós e árvores no caminho, Milton procurou ver mais a frente. Por entre o contorno dos galhos e folhas, que se uniam num grupo compacto, observou uma área aberta, sem asfalto, a menos de vinte metros de distância. Já acostumados a atravessar a mata densa, logo alcançaram a estrada.

Não passava de um minúsculo caminho de terra batida. Algumas plantas daninhas já invadiam a estrada devido à falta de uso.
- Pra onde será que ela leva?
- Não sei. Mas tem um monte de vilas pequenas por aqui. Talvez a gente encontre uma casa vazia se a gente continuar por aqui. Quê que tu achas, Duk’?

Duque puxou um par de binóculos da mochila e olhou nas duas direções, mas o caminho sinuoso o impediu de ver muito além. Milton, por sua vez, abaixou-se e observou de perto a terra: nenhum rastro de pegadas ou pneus.

- Acho que a barra tá limpa. Olha, não tem marca nenhuma no chão.

O outro assentiu e eles começaram a andar para o caminho oposto da estrada, com a ajuda de uma bússola. Tinha servido ao exército anos atrás, e tudo o que aprendera estava se mostrando útil naqueles dias.

No céu, o sol já começava a perder a força, o que não era exatamente uma boa notícia. A noite trazia consigo terrores que não compensavam o fim do calor; ainda mais para pessoas que sequer tinham abrigo. Mesmo exaustos, eles sabiam que tinham que continuar andando. E assim continuaram por mais meia hora, até que Milton subiu uma elevação e, de repente, abaixou-se e fez sinal para que Duque fizesse o mesmo.

- Tem alguém ali... – Sussurrou. – Me passa os binóculos.

Depois de ter o equipamento em mãos, levantou-se cuidadosamente sobre os antebraços. A areia quente lhe queimava os braços, mas ignorou a dor. Através das lentes, viu uma senhora de cabelos brancos que começaram a rarear sobre a pele escura, vestida com uma simples camisola florida. Ela mexia no grande jardim que se erguia na frente da casa de alvenaria. Analisou a mulher por vários minutos e só confirmou que ela não era uma das criaturas quando viu seus olhos cinco vezes.

- Tem uma casa pequena e uma senhora cuidando da horta. Ela não parece tão preocupada com a vida, não... E certeza que não é um deles. Acho que não vieram incomodar por essas bandas.
- E aí, vamos lá? Talvez ela nos dê abrigo por essa noite.
- Bom, ela parece bem calma. Talvez seja seguro... Só vamos com calma, pra não assustar ela. – respondeu Milton.

Andaram em direção da casa com as mãos vazias e levantadas. Não queriam que ela pensasse que eram saqueadores. Ela, distraída com as plantas do terreno, não percebeu a presença dos estranhos até que eles se pronunciaram:

- Com licença, senhora.

Ela se ergueu rapidamente. Não pareceu assustada, já que não fez menção de correr ou se esconder, como os dois esperavam que ela fosse reagir. Tinha uma dignidade no seu movimento quase empertigado. Ela estava, no máximo, apreensiva quanto às intenções dos recém-chegados.

- O que vocês querem? – A pergunta soou mais como uma exigência de resposta do que como um pedido.
- Não queremos problemas. Eu sou o Duque e esse aqui é o Milton. A gente passou o dia todo andando na estrada hoje, e só queríamos um lugar para passar a noite, se possível.

Ela os avaliou cuidadosamente os dois rapazes, atenta para os olhos e para o que levavam nas costas e cintura. Não parecia convencida. Limpou as mãos na barra do vestido, sujando-o de terra, e aquiesceu.

- Podem passar a noite aqui, sim. Tenho um quarto vazio. Mas não gosto de bagunça e quero os dois fora logo de manhã.

Eles abriram um sorriso, aliviados por terem uma casa para atravessar a noite. Dormir na floresta estava sendo suas vidas a alguns dias e isso já os incomodava. Ali, podiam organizar seus suprimentos e, com alguma sorte, cozinhar sementes e até descansar em uma boa cama ou rede.

Contornaram o cercado da casa, feito de arame farpado, mas que já caía aos pedaços, e entraram pelo grande portão construído com vigas de madeira. Ao entrar no terreno, a mulher começou a andar para dentro da casa, dando-lhe as costas, e eles a seguiram. A horta estava bem cuidada. Grandes abacaxis e cerca com galhos de maracujá entrelaçando-se por ela davam frutos vistosos, e várias flores amarelas, desconhecidas para os dois, abriam-se em todos os cantos.

Antes de entrarem na casa, Duque viu duas cruzes de madeira fincadas na terra, uma ao lado da outra, em uma área onde plantas não cresciam.


- Vocês, garotos, podem me chamar de Miranda.

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O Circo do Dr. Lao



O circo do Dr. Lao é uma peça genial da literatura fantástica. Ao chegar numa cidade norte-americana, o bizarro circo leva as pessoas a duvidarem de seus próprios olhos ao verem coisas inimagináveis, como unicórnios, sereias e até um deus mais antigo que o cristão. Recomendo a todo mundo que tem uma quedinha pelo fantástico e que não está preso às famigeradas trilogias dos dias de hoje. Abaixo um trecho de uma fala do vidente Apolônio:

Amanhã será como ontem e depois de amanhã, como anteontem. Vejo o resto de seus dias como uma tediosa coleção de horas. A senhora não viajará a nenhum lugar. Não terá pensamentos novos. Não experimentará nenhuma nova paixão. Sua idade aumentará, mas não sua sabedoria. Crescerá seu formalismo, mas não sua dignidade. A senhora não tem filhos, nem os terá.

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