Ou
Quando finalmente Avatar chegou aos
cinemas e se tornou um dos grandes sucessos de produção daquele ano não apenas
por sua fotografia, mas também por seu enredo, alguns pensamentos começaram a
germinar lentamente na minha cabeça. Tais pensamentos viriam a ser alimentados
com a observação de obras fantásticas nacionais publicadas após o ano 2000,
além da leitura extensa dos textos de H. P. Lovecraft, um dos expoentes do
gênero horror na literatura do século XX.
O filme monta um enredo em torno da
existência de vida num planeta distante da Terra e dos seres inteligentes que
ali habitam. Notadamente, os seres recém-descobertos pela humanidade possuem
forma humanoide e muitas de suas relações com os outros seres e entre si (na
estruturação da comunidade) são similares às nossas próprias. E é daí que surgem
os grandes questionamentos desta nota: nossa estrutura física, psicológica e
social é a única que pode dar certo para seres inteligentes? A única forma de
vida adequada é a existente no planeta Terra?
Tendo em vista que a fantasia tem
como um dos principais objetivos, se não o maior de todos, criar a dúvida sobre
a (in)existência de alguma faceta de seu enredo, pondo assim em cheque as
noções sobre a realidade através das observações empíricas do mundo que nos
cerca, o gênero fantástico na literatura ou no cinema deve tentar se tornar
verossímil tanto dentro do enredo quanto ao apresentar suas premissas para o
mundo exterior, com algumas exceções a serem mencionadas após.
Se for objetivo do autor criar um
mundo passível de ser compreendido e aceito pelo leitor como uma possibilidade,
deve-se pensar bastante para criar premissas e justificativas aceitáveis na
quebra da realidade e ter cuidado para não quebrar tal realidade criada ao
longo do texto, seguindo sempre o raciocínio lógico que pertence ao mundo
construído, e não ao que o escritor pertence. O efeito de dúvida sobre a veracidade
do que é criado se potencializa ainda mais quando não contradiz o que
conhecemos e o que vivenciamos, podendo apenas estar à parte da nossa visão,
dando ao leitor a noção de que em algum lugar do universo aquilo de fato
existe.
Nisso que falha grande parte da
ficção cósmica dos nossos tempos. Não é de hoje que deveríamos saber alguns
detalhes importantes. A vida não existe necessariamente da maneira que pensamos
e conhecemos. Mesmo dentro da Terra existem formas de vida que não utilizam o
metabolismo fotossintético para produzir energia, sendo que pouco tempo atrás
foram descobertas bactérias que sobrevivem através do metabolismo de enxofre e
ferro, fornecendo assim fortes indícios de que a vida em outros planetas pode
existir sem necessariamente seguir os passos conhecidos na Terra.
Podemos perfeitamente observar tal
ideia concebida numa carta de Lovecraft ao seu editor, de nome “Notas sobre a
ficção interplanetária”:
“Todas
as minhas histórias se baseiam na premissa fundamental de que leis e interesses
e sentimentos humanos são desprovidos de qualquer validade ou significado na
infinitude do cosmo. Para mim não há nada além de puerilidade em uma história
em que a forma humana – bem como paixões e condições e tradições locais – sejam
retratadas como nativas a outros mundos e a outros universos.”
Basicamente, devemos esquecer o que
é notoriamente humano ou terrestre. Sentimentos que nos são tão próprios,
formatos sociais que surgiram ao longo de nossa história, formatos
morfofisiológicos derivados de nosso processo evolutivo. O que é nosso
dificilmente será do externo e tal premissa deve ser internalizada durante a
criação da ficção cósmica que possui como máxima ser levada a sério (porque
permaneço ciente que às vezes a ficção interplanetária é utilizada como
ferramenta para explorar outros gêneros), mesmo que conheçamos princípios como
a convergência.
Admitindo tais discussões como
pilares para a criação artística de ficção cósmica, e objetivando a criação
verossímil e não a criação de cenários para outros gêneros (tal qual aventura e
drama), devemos deixar de lado o mar antropocêntrico onde sempre estivemos
imersos e nos permitir divagar pelos abismos cósmicos longe da visão puramente
humana. Apenas assim, salvo raras exceções, que a ficção interplanetária pode
se tornar fantasia interplanetária de fato, quebrando a vaga noção do que é
real e irreal e deixando aos leitores dúvidas acerca a existência.
Falando em Avatar, ele demorou mais de 10 anos sendo planejado. Imagine.
ResponderExcluirBruno, lembrei dos textos da Super de antigamente (porque os de agora estão contrariando o nome da resvista).
Gostei do teu texto.
ResponderExcluirLevanta questões bem interessantes. Em contrapartida, às vezes, vê-se necessária a criação de um ambiete alienígena com características conhecidas pelos leitores justamente para fortalecer a empatia deste pelo povo ou por algum personagem. É um recurso.
É claro que, do ponto da criatividade, quanto mais mundos fantásticos e diferentes forem criados, melhor. =)
O mais bárbaro em Lovecraft é mostrar a idiotice da "supremacia" do intelecto humano. Lógico que ele era cínico... mas de um cinismo benéfico.
ResponderExcluirE como já disse, acho Avatar algo como... Pocahontas intergaláctico.