Eles Sempre Voltam - Parte IV

Por um segundo, todos olharam paralisados para o monstro que invadira a casa. Ninguém sabia o que fazer.

Mas logo o lobisomem deu dois passos à frente e, com uma patada brusca, jogou Miranda para o lado. Isso os acordou instantaneamente e cada um foi para o seu lado. O lupino fez menção de ir em direção de Miranda, mas Duque se jogou contra o corpo monstruoso do invasor para contê-lo. Os dois lutaram por poucos segundos - o lobisomem segurou firmemente Duque com um dos braços e o ergueu até que seus olhos se encontraram.

Duque encarou a cena como se fosse a sua última. Estava hipnotizado por aqueles olhos. Mesmo que a aparência fosse completamente diferente dos olhos de qualquer ser humano, eles carregavam um quê de humanidade. Porém, naquele instante, a raiva estava estampada no olhar quase-humano e ela fazia o horror ecoar por todo o corpo de Duque.

Repentinamente, o lobisomem rugiu e jogou o homem contra a parede. Sentiu uma dor aguda percorrer as costas e sua visão ficar turva. À sua frente, conseguiu enxergar o contorno de Miranda através da escuridão. O braço dela estava erguido na direção do lobisomem, mas Duque não viu a faca que ela segurava cravada no abdômen da criatura. Levantou-se para ajudá-la, mas os efeitos do baque ainda se faziam presentes, e ele cambaleou e caiu encostado na parede.

Furioso com o ataque repentino, o lobisomem abocanhou a cabeça de Miranda. Seus dentes perfuraram o rosto e o crânio da mulher. Ela ainda estava consciente quando os ossos do crânio começaram a ceder e a estalar sob a força descomunal das mandíbulas do lupino. Duque ouviu o grito abafado e breve da mulher, que mal começou e já findou, e se jogou contra a criatura para tentar afastá-la de Miranda. No entanto, o lobisomem era grande demais e sequer se moveu com os empurrões.

O sangue escorreu pelos dentes e pela boca do lobisomem, e caiu sobre o chão de alvenaria, misturando-se com a poeira até formar uma substância lamosa. Duque socou a criatura com toda a força que tinha, mas ela não lhe dava atenção. Após um estalo de consciência, estendeu a mão para a faca que Miranda usara contra o lupino, e a arrancou. Desferiu dois golpes no peito da criatura, e ela largou Miranda imediatamente, deixando seu corpo inerte cair sobre a substância pastosa que se formara.

Duque saltou para trás, mas o lobisomem o agarrou com as patas anteriores e o puxou em sua direção. Estava cara a cara com a criatura, tanto que conseguia sentir o bafo quente em seu rosto. Mais uma vez naquela noite teve a certeza de que sua cabeça estaria estraçalhada em segundos. Apertou os olhos e, antes de sentir os dentes lhe rasgarem a pele, dois tiros ecoaram na casa.

A criatura o largou no chão e tombou sem vida para o lado.

Juntou a coragem que lhe restava e se pôs de pé. Suas pernas tremiam de medo e demorou alguns segundos para que ele conseguisse se mover. Milton estava na entrada da cozinha, o revólver apontado na direção do lobisomem morto.

- Temos que sair daqui. Agora.

Os dois foram até o quarto onde teriam dormido aquela noite e recolheram seus pertences com rapidez. Jogaram tudo o que viram na mochila, Duque pegou seu facão e o prendeu no jeans, e voltaram para a cozinha. Duque se ajoelhou ao lado de Miranda – forçou os olhos até que pode observar o rosto irreconhecível, com vários buracos que atravessavam a cabeça amassada.

- Si-sinto muito. Espero que tu estejas num lugar melhor agora, junto com a tua família... – toda morte que presenciava lhe causava o mesmo incômodo, a mesma ânsia de sumir; mesmo já tendo visto dezenas de corpos, não ficava mais fácil para Duque aceitar o que acontecia ao mundo.

Enquanto Duque estava ajoelhado, despedindo-se, Milton reuniu em uma panela restos da janta e verduras que encontrou na cozinha. Empurrou a panela na mochila e, quando estava a fechando, um uivo atravessou a floresta. Duque se levantou e os dois saíram da casa.

Atravessaram o quintal de Miranda e entraram na mata. Milton seguia Duque, que estava alguns metros à frente. Milton não tinha noção do que iam fazer, mas sabia que não podiam parar de fugir; Duque, por outro lado, sabia exatamente o que fazer. Os lupinos conseguiam rastrear facilmente através do cheiro deles e certamente já estavam em seu rastro. Tinham que desaparecer.

A mata estava densa e eles avançavam lentamente. Com uma lanterna, Milton iluminava o caminho de Duque, enquanto este ia cortando os cipós e galhos que fechavam a passagem. A cada golpe, galhos caíam e folhas farfalhavam, invadindo o silêncio sepulcral da floresta. Não tinham como ir com mais velocidade, nem com menos barulho, e isso os deixava mais afoitos.

O outro lobisomem uivou mais uma vez.

- Ele tá chegando.

Cinco minutos se passaram e eles haviam andado pouco mais que 150 metros. Ainda estavam muito próximos da casa. Duque continuava a abrir caminho. Seu olhar exalava um misto de medo e obsessão. Ignorava completamente as gotas de suor que escorriam pelo seu rosto e continuava a cortar os galhos e folhas à frente. Estava tão absorto na tarefa, que nem ouviu a movimentação acima.

Com a mão direita, Milton levantou a arma em direção à copa das árvores e atirou. Uma, duas, três vezes, até que as balas acabaram e o gatilho clicou. As folhas acima de Milton farfalharam e ele ouviu um impacto atingir o chão atrás de si. Virou-se e viu a imensa lobanil, ainda maior do que o lobisomem que invadira a casa.

Ela se pôs nas quatro patas e, ainda assim, o encarava olhos nos olhos. Milton andava de costas, seguindo o barulho do facão que ressoava. Ela avançava lentamente em sua direção, deliciando-se com o terror que causava na sua presa. Milton tentou levantar o revólver, mas ela lhe deu uma patada na mão, desarmando-o e abrindo dois talhos no dorso de sua mão.

Continuou andando para trás, mas, estranhamente, parou de ouvir o barulho de Duque cortando os galhos. Por um instante, pensou que Duque tinha lhe deixado ali para servir de isca e ter mais tempo para fugir. Nem bem esse pensamento lhe assaltou, sentiu um puxão no braço.

- Respira! – Duque gritou.

A lobanil saltou sobre os dois, mas não conseguiu lhes alcançar a tempo. Eles tinham caído no rio e sumido na correnteza.

Posted in . Bookmark the permalink. RSS feed for this post.

Leave a Reply

Tecnologia do Blogger.

Search

Swedish Greys - a WordPress theme from Nordic Themepark. Converted by LiteThemes.com.