Estamos no meio do carnaval e, nessa
época, é bastante comum ver homens vestidos de mulheres pelas ruas. É só olhar
no facebook, no instagram ou sei lá mais onde. Perucas do preto ao rosa, fantasias
de mulher maravilha e de princesas da Disney, e também roupas comuns, mas
sempre usadas de forma caricata, circulam por aí.
De repente, o homem se vestir de
mulher, uma ação cotidianamente repudiada pela comunidade, se torna socialmente
aceitável em meio à bebedeira, às drogas e ao sexo. Mas sempre em tom de brincadeira.
Porque o homem não pode se tornar mais do que uma sátira da mulher, da travesti
ou da drag. É assim que o desprezo pela
figura feminina atravessa o inconsciente nessa época e se solidifica na forma
de brincadeira.
Mas só durante essa semana. No resto
do ano é proibido.
No resto do ano, só pode andar assim
se for mulher de verdade, o que na
cabeça de uns e outros significa ter nascido
mulher. E baseado num pedaço de papel onde alguém assinalou ○ homem ou ○
mulher, a sociedade manda e desmanda na vida alheia. No resto do ano, quem os
contraria que apanhe, sofra, chore, sangre e morra sobre o nosso
brasileiríssimo chão – e não foi sobre esse mesmo chão que um dia dissemos
abraçar a diversidade?
Felizmente,
o mundo tem mudado. Talvez não na velocidade que queríamos. Não faz nem um mês
que o retrocesso assumiu novamente, na figura do conservador Eduardo Cunha, o
poder de nos limitar. Mas esse não é o único lado que existe. Nesse ano,
mulheres trans vão poder usar seus nomes sociais em várias universidades
federais. Nesse ano, travestis paulistanas irão receber auxílio da prefeitura para
voltarem a estudar e terem uma chance um pouco maior de fazer uma vida
diferente. Ainda ano passado, adolescentes de uma escola carioca fizeram um
saiato para apoiar um amigo que não queria se vestir nos moldes estabelecidos.
Ainda temos
muito pelo que nos enfurecer, mas também temos pelo que celebrar. Enquanto os
conservadores se debatem para se manter no poder, nós vamos conquistando o
nosso espaço. E esse espaço vai ser bem maior do que a única semana do ano que
o patriarcado imagina o quão engraçado é assumir o papel de quem ele
diariamente violenta.